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sábado, maio 26, 2007

Recuperação de Criminosos em Presídios-Modelo

Recuperação de Criminosos em Presídios-Modelo

Centro de Detenção - Santa Luzia/MG
Vista do pátio destinado aos detentos que cumprem
pena em regime fechado no Centro de Detenção em
Santa Luzia, MG.
Não foi à toa que houve a rebelião de presidiários comandada pelo PCC em São Paulo: 137 mil presos, ou 42% dos presidiários no Brasil estão no Estado de São Paulo, segundo uma pesquisa de 2005, e a taxa média de crescimento da população carcerária era de 2% ao ano.

Acredita-se que as prisões não recuperam e muito menos preparam os detentos para se reintegrar à sociedade. Ao contrário, os tornam mais violentos e perigosos devido ao ambiente pernicioso, tanto pela corrupção quanto pela mistura de infratores primários com bandidos de alta periculosidade.

Segundo o pesquisador e agente penitenciário Paulo César Argolo, autor da monografia "A população presidiária de Salvador e os movimentos de migração interna: o exemplo da Penitenciária Lemos Brito", 36% dos presos acham que a prisão não os prepara para uma vida sem crime, 70,6% declaram que existe corrupção no sistema carcerário e 70% afirmam que a prisão é escola para novos crimes. Quanto ao que pode ajudar na sua reintegração à sociedade, 33% dos presidiários acreditam em cursos profissionalizantes e 16%, em transformar a penitenciária em presídio-indústria.

Em 1974, um criminologista de Nova York chamado Robert Martinson publicou seu estudo intitulado "What Works, Questions and Answers About Prison Reform". A reabilitação foi vista como um objetivo durante a maior parte do século 20, mas com o aumento das taxas de criminalidade e da população carcerária, houve uma crescente desilusão com os programas de reabilitação. Martinson estudou 231 desses programas e concluiu que nenhum deles funcionava. Essa doutrina ficou conhecida como doutrina do "nada funciona", e, aparentemente, Martinson levou sua doutrina até o fim, se suicidando na frente de seu próprio filho em 1980.

Mas em 1972, um grupo de 15 voluntários cristãos liderados pelo advogado Mário Ottoboni teve a iniciativa de evangelizar os detentos do presídio Humaitá em São José dos Campos, criando a Pastoral Penitenciária. Mais tarde, em 1974, o presídio estava sob ameaça de ser fechado, mas aqueles voluntários criaram a ONG Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, que assumiu a gerência do presídio Humaitá por determinação do juiz Dr. Sílvio Marques Neto. O estado ficou incumbido apenas das despesas de alimentação, eletricidade e água.

A experiência do presídio Humaitá inspirou uma série de iniciativas similares pelo mundo afora. Em 1995, o procurador geral do Texas, Carol Vance, visitou o presídio e ficou chocado com o que viu - "Parecia algo saído do Livro de Atos dos Apóstolos, uma comunidade Cristã onde os detentos ministravam e trabalhavam uns para os outros, tomando conta uns dos outros e lidando com problemas reais e orando por soluções juntos."

Vance então convenceu o então governador George W. Bush a iniciar um programa experimental. Em 1999, ele aprovou a primeira prisão conveniada com a APAC no Texas. Dos 80 prisioneiros aprovados para participar no programa APAC, apenas 3 reincidiram em crime - o que significa menos de 5%, em contraste com a média americana de cerca de 50%. Os estados de Minnesota, Iowa e Kansas também estabeleceram prisões no sistema APAC e mais 20 outros estados estão considerando a possibilidade.

Mário Ottoboni
Advogado Mário Ottoboni na
cadeia modelo de São José
dos Campos, SP.
Segundo a APAC, os índices de reincidência no crime são menos de 5% dos presidiários, em contraste com a média brasileira de 75%. O sociólogo Byron Johnson, da Baylor University, fez uma pesquisa independente em 4 prisões de Nova York, e concluiu que os detentos que frequentaram pelo menos 10 sessões de estudo bíblico tinham probabilidade 66% menor de cometer crimes após cumprirem sua pena.

Em 1993, num esforço em resgatar o ambiente corrupto e violento do presídio de Bragança Paulista, o juiz e secretário da Administração Penitenciária de São Paulo, Dr. Nagashi Furukawa, propôs um plano de formar uma entidade sem fins lucrativos para transformar a prisão em um lugar mais humano, limpo e auto-sustentável. O resultado foi uma parceria da APAC e o estado na qual empresas contratam o presídio para mão-de-obra sem encargos trabalhistas (apenas 11% de INSS) e os detentos têm parte de seu salário retido para os cofres da entidade.

Byron Johnson estudou as duas prisões rastreando 148 ex-detentos de Humaitá e 247 de Bragança que foram libertos de 1996 a 1999, para ver quantos deles retornariam à prisão por reincidência no crime. Em geral, os ex-detentos de Humaitá tinham cometido crimes mais graves e passaram mais tempo presos que os de Bragança. Jonhson concluiu que ambos os presídios reduziram a reincidência com sucesso, mas os ex-detentos da Humaitá, que fora "saturada" com ensino religioso, tiveram um índice de reincidência de apenas 16%, e para os de Bragança o índice era significativamente maior.

Como o grau de reincidência na criminalidade fora reduzido em Bragança, o governo quer expandir o sistema penitenciário usando-a como modelo. Hoje já existem cerca de 21 Centros de Ressocialização em São Paulo. Em Itaúna, Minas Gerais, com resultados excelentes, a APAC conseguiu administrar os 3 regimes de cumprimento de penas - fechado, semi-aberto e aberto - sem o concurso da Polícia. Hoje há 10 centros em Minas Gerais. Em Vitória da Conquista, experiência similar está sendo feita no Presídio Regional Advogado Nilton Gonçalves, onde os presos trabalham numa horta e vendem os legumes numa feira da cidade acompanhados por um segurança. Ainda não houveram fugas.

Em 2002, o Centro de Ressocialização de Limeira foi inaugurado a um custo de cerca de R$ 3,7 milhões seguindo a linha adotada no presídio de Bragança: o centro é mantido por uma ONG e o estado e tem capacidade para 210 presos. Os presos prestam serviço à 5 empresas da área de embalagem e papelão, construção civil e metalurgia. Os presos têm boa alimentação, atividades educacionais, remuneração - por lei, eles recebem 3/4 do salário mínimo e o resto vai para cobrir despesas - e redução da pena em 1/3 do período trabalhado.

Contudo, nesses últimos 5 anos houveram algumas fugas e apreensões de drogas e armas de fogo no local. O tráfico de entorpecentes é a atividade mais recorrente. A ONG responsável, sob suspeita de irregularidade, foi descredenciada há mais de um ano. Como ninguém arca com as despesas de transporte, 30 detentos do regime semi-aberto (de um total de 69) vão para o local de trabalho de bicicleta sem monitoramento.

Detentos orando antes da aula
Um grupo de detentos faz uma oração antes de
começar a aula.
Um ministério cristão nos presídios americanos que conta com o apoio do presidente Bush - a InnerChange Freedom Initiative - também foi influenciado pela APAC, e vem exercendo uma influência dramática nos últimos 10 anos, se tornando o modelo até para programas similares não-denominacionais promovidos pela empresa prestadora de serviços Corrections Corporation of America e pelo Bureau of Prisons federal. De acordo com um estudo da Universidade da Pennsylvania, apenas 8% dos detentos graduados no programa InnerChange reincidem em crime no período de 3 anos após o cumprimento da pena.

Byron Johnson também estudou a performance do InnerChange em Houston, focalizando em 177 detentos que foram soltos antes de setembro de 2000 e acompanhando-os até 2 anos depois. O grupo foi comparado com 1754 outros detentos que cumpriam o critério de seleção mas não participaram do programa. Dos 177 detentos, apenas 75 completaram todas as etapas do programa de 16 meses, mas destes, apenas 8% foram re-incarcerados no período de 2 anos, em contraste com 20% do grupo de controle. Além do período de 2 anos, apenas 17% dos graduados foram re-encarcerados, em contraste com 35% do grupo de controle.

Entretanto, esses resultados não foram todos positivos. Quando se considerou todos os participantes, incluindo os que não completaram o programa ou desistiram, 36% deles foram apreendidos novamente, comparados com 35% do grupo de controle. Johnson observou que é possível que exista um ponto de decréscimo nos resultados depois de certo tempo num programa tão intensivo como esse. Seu estudo, não obstante, confirma que se os detentos completarem todas as fases do programa, eles provavelmente jamais voltarão a reincidir no crime.

John DiIulio, o primeiro diretor das iniciativas religiosas do governo Bush, admite que os resultados foram menos que satisfatórios mas observa que um único estudo quase nunca é suficiente para dar uma resposta categórica de sim ou não a respeito de um conceito como esse.

Apesar do sucesso aparente, essas iniciativas religiosas têm sido alvos de disputas legais por organizações de esquerda e pela oposição anti-Bush sob a alegação de violar a separação entre Igreja e Estado e sectarismo - o InnerChange é protestante. Em 2006, um juiz federal em Iowa, o único estado que financiou o InnerChange em US$ 1,5 milhão, decidiu que o programa era "pervasivamente séctario" pois alguns dos detentos que desistiram do programa eram católicos, muçulmanos e judeus e alegaram que ficaram ofendidos com certas pregações. Se essa decisão for confirmada em segunda instância, poderá fechar as portas para o InnerChange.

Os representantes da InnerChange alegam que o programa é bem flexível e que, citando o Texas como exemplo, não é exigida a frequência dos detentos nos cultos e que um padre católico pode ser convocado e tapetes para oração são fornecidos aos detentos muçulmanos, inclusive, tendo um detento muçulmano completado a graduação.

Segundo Mark Earley, presidente da Prison Fellowship, "as pessoas têm de entender que temos 155 mil pessoas encarceradas no Texas e que eventualmente elas serão liberadas. Então, o que vamos fazer com elas no período em que estão encarceradas, antes de retornarem às nossas comunidades? Podemos não fazer absolutamente nada mas também podemos fazer algo para ajudar."

Fontes e links de interesse sobre o assunto:
http://www.piratininga.org.br/2006/87-faerman.html
http://www.dallasobserver.com/2007-04-26/news/jesus-in-the-jailhouse/full
http://www.gazetadelimeira.com.br/site/index.php?mod=noticias%2Fexibe_noticia.php%3Fcodigo%3D35152
http://www.aggio.jor.br/junho2003/reformapenit.htm
http://www.piratininga.org.br/2006/87-faerman.html
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=26&Artigo_ID=58&IDCategoria=332&reftype=1
http://www.ajufe.org.br/sites/700/785/00000340.doc
http://inovando.fgvsp.br/conteudo/documentos/20experiencias2005/6cidadania_no_carcere.pdf
http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/cidadania/programas/estadual/direitos/cidadaos.asp
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7651
http://www.opinionjournal.com/columnists/others/?id=85000575
http://ospiti.peacelink.it/zumbi/news/semfro/257/sf257p17.html
http://www.txcorrections.org/article.pdf
http://www.religionlink.org/tip_040105c.php
http://www.restorativejustice.org/editions/2001/November01/APAC
http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura689.asp

O advogado ítalo-brasileiro, Mário Ottoboni, é autor de mais de 15 livros sobre questões penitenciárias e de testemunhos de fé cristã, dentre eles: "Ninguém é Irrecuperável" e "Kill The Criminal, Save The Person".

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