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Através da tradição, nós percebemos características fundamentais e sutis do mundo que de outra forma nos escapariam, e a nossa compreensão dessas coisas adquire uma forma concreta e utilizável. A alternativa comum - oposta à tradição - é a confiança numa teoria. Levar em conta uma teoria de forma literal pode ser prejudicial porque a teoria busca a clareza por meio de uma simplificação. Essa simplificação consiste em ignorar coisas difíceis de serem articuladas em palavras e essas coisas podem ser importantes. O motivo pelo qual a política e a moral são aprendidas em grande parte através da experiência e da imitação é porque a maioria das coisas que precisamos saber consiste em hábitos, comportamentos e pressupostos implícitos que são difíceis de colocar em palavras. Não há outros meios além da tradição para acumular, conservar e transmitir tais coisas. Além de sua própria sabedoria, outras considerações também evidenciam a vantagem de se apoiar na tradição. Por exemplo, a tradição existe tipicamente como uma propriedade comum da comunidade onde os membros foram criados. Por conseguinte, ela normalmente une mais do que divide, e é bem mais provável que facilite uma vida de liberdade e de cooperação do que uma teoria. 1.3) Qual a diferença entre seguir a tradição e se recusar a pensar? Os conservadores não rejeitam o pensamento, mas são céticos quanto à sua autonomia. Eles acreditam que a tradição guia e corrige o pensamento, e portanto, o leva para mais próximo da verdade, e essa verdade não tem conexão especial com nenhum ponto de vista individual. A verdade não está totalmente fora do alcance, mas o nosso acesso à ela é incompleto e muitas vezes indireto. Já que ela não pode ser totalmente reduzida à nossa posse, os conservadores estão dispostos a aceitá-la sob a forma que ela se disponibiliza para nós. Em particular, eles reconhecem a necessidade de confiar na verdade não-articulada que está implícita nas práticas e comportamentos. Hoje esse aspecto da nossa conexão com a verdade é subestimado, e os conservadores têm a esperança de pensar melhor e conhecer mais verdadeiramente ao enfatizar esse aspecto. 1.4) Não seria melhor raciocinar todas as coisas desde o começo? O nosso conhecimento das coisas, como a política e a moralidade, é parcial e adquirido lentamente e com dificuldade. Nós não podemos avaliar um idéia política sem aceitar inúmeras crenças, comportamentos e pressupostos cujo montante torna impossível julgar criticamente. Os efeitos das propostas políticas são difíceis de prever e à medida que as propostas se tornam mais ambiciosas, seus efeitos se tornam impossíveis de calcular. Por conseguinte, a abordagem mais razoável para a política é normalmente aceitar o sistema existente de sociedade como algo que não pode ser mudado totalmente e tentar assegurar que quaisquer mudanças sejam coerentes com os princípios e as práticas que fazem o sistema existente funcionar tão bem. 1.5) A tradição também não acumula ignorância, vícios e erros além da sabedoria? Como a tradição é uma coisa humana, ela pode refletir os vícios humanos bem como as virtudes. A mesma coisa se sucede quando nos baseamos no pensamento autônomo. Desde o século passado, as teorias anti-tradicionais defendidas por pessoas que alegavam motivos nobres levaram repetidas vezes ao assassinato de milhões de inocentes. Portanto, a questão não é se a tradição é perfeita, mas se ela ocupa um lugar apropriado na vida humana. Como o nosso objetivo mais consistente é ir em direção ao que é bom, e como erramos mais por ignorância, negligência e impulsos contraditórios do que por maldade, a tradição nos beneficia ao ligar nossos pensamentos e ações à um sistema contínuo e abrangente no qual um corrige o outro. A tradição assegura e refina as nossas conquistas ao mesmo tempo em que amortece os impulsos anti-sociais. Quanto aos males contínuos, a tradição pode não ajudar muito, mas as alternativas tampouco ajudam - só mesmo uma intervenção divina. 1.6) Há várias tradições em conflito. Como alguém poderia saber se uma tradição é a certa? A certeza total é difícil. Há questões em que a nossa própria tradição (como o nosso próprio raciocínio) pode nos levar ao erro ao mesmo tempo em que outra tradição nos levaria ao acerto. Contudo, tal preocupação não justifica rejeitar a nossa própria tradição a menos que tenhamos um método que a transcenda para determinar quando ela está em erro, e, na maioria das situações, nós não temos um método. Se a experiência nos conduz a um erro, é bem provável que outra experiência nos conduza ao acerto. O mesmo vale para a tradição, que é uma experiência social. Colocando de lado a questão da verdade, as várias partes de uma tradição particular são ajustadas umas às outras de uma maneira que torna difícil abandonar uma parte e substituir com uma outra parte de outra tradição. Um cozinheiro francês terá dificuldade se tiver que usar ingredientes e utensílios chineses. Questões de coerência e praticidade fazem com que seja melhor desenvolver a tradição à qual se está acostumado do que tentar adotar partes de uma tradição diferente. 1.7) Mas e a verdade não existe? A maioria dos conservadores acreditam na existência da verdade objetiva e abrangente, mas não sob a forma de um conjunto de proposições com um único significado demonstrável e acessível para todos. O mundo é muito grande para nós o capturarmos por inteiro e de uma maneira clara e sistemática. Nós apreendemos a verdade em grande parte pela tradição e de uma maneira que não pode ser totalmente articulada em palavras. Mesmo que algumas verdades possam ser conhecidas com precisão através da revelação ou do raciocínio, a aceitação social e sua interpretação e aplicação vão depender da tradição. 1.8) Há tradições conflitantes até mesmo em uma mesma sociedade. Qual delas devemos tratar como "nossa tradição"? Essa questão é menos séria do que parece, já que não pode ser discutida sem assumir um discurso em comum, e portanto, a autoridade de uma tradição. Toda coletividade que delibera e age tem uma tradição - um conjunto de hábitos, comportamentos, crenças e memórias em comum e bastante coerente ao longo do tempo - que a permite atuar e deliberar. Uma sociedade consiste daqueles que, pelo menos em geral, aceitam a autoridade de uma tradição em comum. "Nossa" tradição é portanto a tradição que guiou e motivou a ação coletiva da sociedade à qual pertencemos e prestamos nossa lealdade, e dentro da qual a discussão relevante prossegue. É válido notar que nenhuma sociedade é perfeitamente unida; cada uma tem elites e sociedades subordinadas com suas próprias tradições e esferas de ação. Uma sociedade também pode abrigar grupos estranhos, dissidentes e criminosos. Uns grupos são tratados como sociedades subordinadas que legitimamente pertencem à sociedade maior e outros grupos são tratados como estranhos, criminosos ou opressores estrangeiros - isso é determinado pelas tradições que definem a sociedade como um todo e a torna o que é. Traduzido do Conservatism FAQ. Marcadores: conservadorismo, debate, sociedade, tradição postado por Fernando às 2:14 PM Tweet |
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