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- Pq. esquerdistas odeiam Rocky Balboa? - Marxismo cultural anti-Cristão - Entrevista c/ Yuri Bezmenov - Para ler o Pato Donald - Bertrand De Jouvenel sexta-feira, outubro 15, 2010Entrevista histórica: Roberto Campos no Roda Viva - 24/2/1992Jorge Escosteguy: Boa noite. Atenção você que está em casa, um pouco preocupado com a situação econômica. Parece que o Brasil parou de piorar; há sinais evidentes e positivos da economia brasileira. Essas opiniões, entre outras, foram dadas pelo nosso entrevistado desta noite no Roda Viva, deputado federal Roberto Campos, pelo PDS do Rio de Janeiro. Lembramos que o Roda Viva também é transmitido pela TV Minas Cultural e Educativa, TVE do Ceará, TV Cultura do Pará, TVE do Piauí, TVE da Bahia, TVE de Porto Alegre e TVE do Mato Grosso do Sul. Roberto Campos tem 74 anos, é economista, foi autor do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek, foi embaixador do Brasil em Washington, ministro do Planejamento do [governo] Castelo Branco, embaixador em Londres, senador pelo Mato Grosso e eleito deputado federal pelo PDS do Rio de Janeiro. É considerado um dos decanos entre os defensores do pensamento liberal no Congresso. Para entrevistar Roberto Campos esta noite no Roda Viva, nós convidamos Ricardo Setti, jornalista da editora Abril; Fernando Mitre, diretor-executivo do Jornal da Tarde; Fátima Turci, editora do Fax Paper da Agência Estado; Aloysio Biondi, diretor de redação do setor de revistas do grupo DCI Visão; o jornalista Tão Gomes Pinto; Luiz Gutemberg, comentarista político da TV Bandeirantes; Dácio Nitrini, diretor de operações jornalísticas do SBT. Boa noite, deputado. Roberto Campos: Boa noite. Jorge Escosteguy: O Brasil parou de piorar? Roberto Campos: Eu acho que sim. A impressão que eu tenho é que a direção é correta, precisamos apenas intensificar o movimento na direção correta. Um bom indicador de que as coisas cessaram de piorar é que o Brasil está atraindo capital para as bolsas de valores, e as bolsas são geralmente proféticas, proféticas do bom e proféticas do mau [andamento da economia]. Jorge Escosteguy: Por que o senhor diria que ele parou de piorar? Que sinais mais evidentes [há] na economia, não nos sinalizadores como a bolsa, mas fatos em si? Roberto Campos: Primeiro, há mais consistência de política econômica, e os agentes econômicos começam a acreditar que o país saiu da cadeira elétrica com boas chances de a ela não voltar. Em segundo lugar, estamos nos encaminhando para um acordo com a comunidade financeira internacional, uma reconciliação. Essa reconciliação com a comunidade financeira internacional foi o prenúncio de melhorias em todos os outros países da América Latina: México, Chile, Bolívia, Venezuela e agora a Argentina, que está fazendo um esforço grande de modernização. O mesmo acontecerá com o Brasil. Curiosamente, às vezes o ajuste interno é facilitado a partir do exterior; restaurado um certo grau de confiança externa, fica mais fácil restaurarmos a confiança interna. Além disso, é muito útil termos uma auditoria permanente, no sentido de acordos com o Fundo, e exatamente termos um auditor permanente, incômodo e crítico para evitar esbórnias. Fátima Turci: O senhor falou que viriam capitais estrangeiros e investimentos dirigidos à bolsa. Investimento em bolsa normalmente não é investimento em capital produtivo, enfim, não gera produção. O Brasil com recessão da forma em que está, está precisando de investimento em produção para aumentar emprego etc. O senhor acredita que esse tipo de investimento também virá? Roberto Campos: De pleno acordo. Eu acho que o investimento em bolsa é apenas um prenúncio. Eu não diria que não é investimento produtivo, é investimento de curto prazo; nós necessitamos de investimento de longo prazo. Mas para reconquistarmos a confiança do investidor de longo prazo, precisamos demonstrar que não vamos mais submeter o país a choques elétricos, que afetam também os investidores. Precisamos, em segundo lugar, avançar mais no terreno da privatização, que isso dará mais confiança de que o Brasil realmente embarcou na senda da modernidade. Precisamos ainda liberar mais o câmbio, eventualmente até unificar as taxas de câmbio, isso tem sucedido em outros países, e se isso fizermos, eu acrescentaria que é necessário também completarmos o nosso processo de reconciliação com a comunidade financeira internacional, processo em que o acordo com o Fundo é o primeiro passo. Temos acordo com o Clube de Paris [grupo de 19 países ricos que tem como objetivo apoiar, através de empréstimos, países com dificuldades econômicas] e, em seguida, o acordo com os bancos privados; completado esse elenco de providências, aí então poderemos pensar num regresso de capitais de investimento no longo prazo. Talvez haja uma condição política ou jurídica importante, é preciso reformarmos essa desastrosa Constituição [de 1988], que discrimina contra os capitais estrangeiros, coloca as empresas estrangeiras como empresas de segunda classe e nos coloca em órbita, fora do mundo moderno. Ricardo Setti: Deputado, por falar em choque elétrico, qual a sua opinião sobre a proposta do ex-ministro Mário Henrique Simonsen de se caminhar para uma etapa em que se fixaria o dólar como indexador da economia? Seria algo como ocorreu na Argentina, pelo menos uma parte do que foi feito lá. Qual a sua opinião sobre isso? Roberto Campos: A minha opinião é a mesma do ministro [da Fazenda entre 1991-1992] Marcílio [Marques Moreira]: isso é algo para se pensar mais tarde, no fim do caminho; temos ainda uma longa estrada a percorrer. Adotar-se a âncora cambial parece algo tentador, entretanto, se não houver primeiro uma disciplina fiscal, orçamentária e monetária que se julgue durável e que seja como tal percebida pela sociedade, nós podemos lançar uma âncora cambial no lodo. E se não houver essas precondições de natureza fiscal, o que resulta é que seríamos logo levados a uma desvalorização cambial e isso destruiria o valor da âncora. É algo que pode ser usado para acelerar a queda da inflação, uma vez que todas as medidas necessárias a provocar a queda da inflação tenham sido tomadas. Ora, o Brasil ainda tem um grande número de incertezas, há todo o buraco negro da Previdência; não se sabe o que vai ocorrer com a reforma fiscal; amarrarmos então a uma âncora cambial seria lançá-la no lodo. Fernando Mitre: Deputado, o senhor falou de um longo trajeto, quer dizer, teríamos que esperar um bom tempo para os investimentos produtivos chegarem e para a economia retomar o seu crescimento, digamos assim, mas o sofrimento está aí. A recessão é profunda; as perdas salariais são enormes, cerca de 40% em relação a 85, se não me engano; o desemprego cresce; a inadimplência cresce. Como o senhor vê esse tempo de espera para que a economia retome o seu curso normal? Roberto Campos: Com grande angústia, você tem razão. Estamos sofrendo, estamos sofrendo mais do que seria útil em um combate à inflação, porque estamos atravessando uma segunda recessão. Tivemos uma primeira recessão desperdiçada; recessão é algo tão cruel, que não se deve de maneira nenhuma desperdiçar períodos recessivos. O que ocorreu? Quando foi lançado o primeiro programa Collor antiinflacionário, sabia-se que isso representaria uma cirurgia antiinflacionária, uma cirurgia do câncer. Havia que tomar-se precauções contra choques operatórios – o grande choque operatório habitualmente é o desemprego. Quais são essas precauções anticíclicas contra choques operatórios? São mais ou menos clássicas, e foram aplicadas em 1964, quando houve um grande ajuste na economia brasileira. Desde a primeira reunião do ministério Castelo Branco [Humberto de Alencar Castelo Branco], propôs-se um programa antiinflacionário e o presidente e os ministros foram advertidos de que haveria subprodutos desagradáveis e era necessário ter uma lista de remédios. Quais eram os remédios? Primeiro, seria a construção civil, por isso o primeiro ato do governo foi o lançamento do BNH [Banco Nacional de Habitação] e do mecanismo de poupança, para ativar a construção civil como instrumento anti-recessivo. Segundo, a agricultura: liberamos imediatamente os preços agrícolas; estabelecemos um sistema de preços mínimos; estabelecemos um programa de subsídio a fertilizantes, que eram então pouco usados no Brasil. O terceiro instrumento que utilizamos foi o incentivo às exportações: criou-se então o slogan “Exportar é a solução”. E o quarto remédio anticíclico, antidepressivo seria a abertura para capitais estrangeiros. Conseguimos fazer funcionar os três primeiros instrumentos, [mas] o quarto instrumento é mais difícil. Uma vez quebrado o delicado vaso da confiança, mesmo que se tomem medidas de saneamento financeiro e de atração de capitais estrangeiros, eles geralmente tardam a vir. No nosso caso, eles vieram depois, já na gestão do Delfim Netto, mas conseguimos então fazer a inflação cair para a metade, depois para um quarto do que era, em três anos, sem nenhum ano de crescimento negativo. O mínimo de crescimento foi 2,8%, [no entanto] falava-se na recessão do Castelo Branco. Aloysio Biondi: Mas no final do governo Castelo Branco havia uma grande recessão. Inclusive, quem reativou a economia, via plano habitacional, foi o ministro subseqüente. O governo Castelo Branco terminou com uma grande recessão. Roberto Campos: Não, a ativação começou no governo Castelo Branco. Bom, como que se mede uma recessão? Aloysio Biondi: Inclusive, a safra de 65, por uma questão de política monetária, não se comprou. Comprou-se a safra de 64 e não se comprou a safra de 65. Roberto Campos: Não, não, a safra de 65 foi uma das maiores da história... Aloysio Biondi: Não se comprou... Roberto Campos: ...e nos criou enormes problemas, porque fomos levados a uma grande extensão monetária para comprar a safra. Aloysio Biondi: ...não se comprou; tivemos uma recessão por aí. Roberto Campos: Depois, apertamos demasiado o crédito na safra de 66... Aloysio Biondi: Ah, sim, apertaram demasiado. Roberto Campos: ...para exatamente evitar a explosão inflacionária derivada da expansão ocorrida em 1965, por um ato benéfico da Previdência, que monetariamente era um ato maléfico. Agora, quando você diz que houve uma grave recessão, claro que houve recessão setorial, mas... Aloysio Biondi: A de hoje é brincadeira perto da recessão daquela época. Roberto Campos: ...o que há a medir é o efeito global. Como se mede o efeito global? Cresceu ou não cresceu o PIB? Cresceu o PIB. Positivamente? Sim. Qual o nível mínimo do crescimento do PIB? [Foi de] 2,8%; não houve nenhum ano de crescimento negativo. Aloysio Biondi: Mas foi preciso até lançar veículo depenado e tudo mais, porque não havia mercado para nada. Roberto Campos: Não, o que se fez naquela ocasião foi uma ação anticíclica tópica. Houve uma crise na indústria automobilística semelhante à que está ocorrendo agora. O que fizemos? Resolvemos utilizar um instrumento fiscal: demos uma redução de 75% do IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados] no primeiro mês de compra, 50% no segundo e 25% no terceiro. Em quatro meses, os pátios estavam esvaziados e a indústria voltou a operar normalmente. Jorge Escosteguy: Por favor, eu gostaria de informar que chegou mais um dos nossos convidados, Luis Nassif, jornalista da Agência Dinheiro Vivo e colunista da Folha de S.Paulo . O Tão tem uma pergunte e o Gutenberg em seguida. Tão Gomes Pinto: Deputado, o senhor falou em uma postura, em uma atitude do governo e do próprio país, de certa maneira, que indica essa situação de que estaríamos parando de piorar. Em seguida, o senhor relacionou uma série de instrumentos do período imediatamente pós-64 que foram eficazes na época. Eu queria que o senhor analisasse os instrumentos que estão sendo usados agora, por este governo, no gerenciamento dessa postura e se aprofundasse um pouquinho em um problema que me parece muito grave e que o senhor não tinha quando ministro do governo Castelo Branco, que é a questão política, a falta de um embasamento político consistente no nível do Congresso. Roberto Campos: Bom, em primeiro lugar, quais são os defeitos gerenciais da atual política? O primeiro defeito gerencial foi não se ter à mão, não se ter preparado os instrumentos anticíclicos para aliviar a recessão. Nada se fez pela habitação, até agora ainda não se reconstruiu um sistema financeiro destinado a ativar a construção civil. No período Zélia [Cardoso de Mello, ministra da Fazenda entre 1990-1991], a agricultura entrou praticamente em colapso, esse grande instrumento anti-recessivo que era a agricultura entrou em colapso. Isso já foi corrigido, mas ele está usando a agricultora agora com instrumento anticíclico. Exportações, as exportações também foram objeto de desinteresse, senão mesmo de descriminação no período anterior, essa poderosa arma anticíclica que são as exportações. Nós eliminamos os organismos de financiamento de exportação, eliminamos subsídios à exportação, a taxa cambial ficou sobrevalorizada, enfim, punimos as exportações, e com isso agravamos inutilmente a recessão. Aliás, a recessão inicial foi inútil em si mesma, porque foi provocada no setor privado pelo confisco. O confisco foi um enorme choque recessivo, aplicado na hora errada e no lugar errado. O lugar errado era o setor privado, quando o que devia ter sido contido era o setor público. A hora [foi] errada porque não se pode fazer uma recessão no setor privado antes de fazê-la no setor público. O setor privado tem que ficar robusto para absorver os excedentes liberados pelo setor privado. Agora já corrigimos dois dos aspectos: já há uma política agrícola; já há uma política de exportação; estamos procurando ativar o terceiro instrumento, que é a reconciliação com a comunidade financeira internacional, e isso depende do Clube de Paris, acordo com o Fundo, pacificação dos bancos, mas ainda nada fizemos, ou muito pouco fizemos, pela construção civil. As dificuldades hoje são maiores do ponto de vista político, no sentido de que ao governo falta um embasamento político, mas ele o teve no início. A rigor, o governo pediu as coisas erradas do Congresso. O Congresso não foi negativo, foi o governo que pediu confisco, foi o governo que pediu dois congelamentos, foi o governo que pediu o fundão, todos instrumentos errados. Não se pode, portanto, atribuir essa responsabilidade ao Congresso. Indiscutivelmente, o Congresso tem sido negativo nas reformas estruturais básicas, reforma da Constituição; tem sido lento em tratar do problema de desregulamentação portuária; e nunca entendeu o que é uma política salarial. Aliás, a expressão “política salarial” me revolta, temos que marchar para a livre negociação salarial, essa é a única política salarial possível. O Congresso, nesses três pontos, foi deficiente. Jorge Escosteguy: Por que ele foi deficiente, deputado, na sua opinião? Roberto Campos: Porque não cuidou de estabelecer uma base política. Inicialmente, o prestígio de Collor era enorme e o Congresso, assaz submisso. Ele partiu do princípio de que a negociação política era fisiologia, [mas] não necessariamente. Jorge Escosteguy: Desculpe, eu pergunto: por que o Congresso foi deficiente? Roberto Campos: Exatamente porque ele não agiu, face a propostas governamentais, em várias coisas importantes: não aprovou o Emendão naquilo que era vital para a modernização econômica: extinção do monopólio da Telebras; redução da área monopolística da Petrobras; redefinição da empresa nacional para evitar discriminação contra empresas estrangeiras e assim por diante. Outras propostas governamentais: desregulamentação de portos – o governo não agiu –; a modernização da legislação sobre propriedade industrial – o Congresso ainda não agiu. Foram propostas governamentais, o Congresso tem sua dose de culpa. Jorge Escosteguy: O senhor acha que o Congresso não agiu por [causa do] fisiologismo ou [por estar] equivocado politicamente? Roberto Campos: Descoordenação, eu não acredito que seja fisiologismo, muito mais descoordenação e inconstância governamental. O governo não marcou as corretas prioridades com a suficiente intensidade, por exemplo, em matéria portuária, desregulamentação portuária, algo vital para o comércio exterior, primeiro ameaçou mandar uma medida provisória, que teria sido a solução correta, depois enviou um projeto com pedido de urgência, depois retirou o pedido de urgência. Ora, isso facilitou a mobilização de interesses corporativistas. Luiz Gutemberg: O senhor falou em remédios para o processo recessivo, e eu estranhei que o senhor não citou, por exemplo, a necessidade de algum remédio à cartelização, por exemplo, com que os poderosos, com que os especuladores estão se aproveitando dessa situação. Parece odioso que a recessão atinja somente os pobres, os trabalhadores mais modestos, os não especializados, que os empresários produtivos estejam sofrendo amargamente – alguns bons empresários estão vendo seus negócios fracassarem –, enquanto isso as empresas poderosas, geralmente empresas internacionais, estão fazendo o que querem, estão se organizando, se estruturando mercadologicamente para massacrar, para aproveitarem-se dessa coisa. Um exemplo claro disso é que, neste fim de semana, havia declarações de agentes imobiliários dizendo que só estão vendendo apartamentos de luxo – os apartamentos de luxo nunca se venderam como estão se vendendo –, portanto existe uma camada da população, existe alguém neste país que está se aproveitando fartamente, que está rindo da desgraça brasileira nessa situação recessiva. E o senhor não citou exatamente esse aproveitamento perverso que esses grupos estão fazendo. Roberto Campos: Eu não citei por uma razão simples, eu preciso diferenciar entre dois planos: o combate a trustes, a cartéis, a oligopólios é um instrumento muito importante e muito coerente com a ética capitalista, mas isso não é um remédio anti-recessivo, é um remédio antiinflacionário. Quanto à distribuição dos sacrifícios, eu não diria que as grandes empresas estão se rindo da situação dos pobres, nadando em prosperidade, pelo contrário, os balanços são extremamente negativos. Os balanços do ano passado são desastrosos para a maioria das empresas, e o nosso problema em relação a essas grandes empresas multinacionais, a rigor, hoje, é impedir que elas saiam a um êxodo, êxodo de capitais do Brasil. O último exemplo foi o da Ford, que fechou uma fábrica de motores. As multinacionais consideram hoje o Brasil um país de alto risco e baixa rentabilidade. Fátima Turci: O senhor está falando exatamente de multinacionais e empresas com certo oligopólio ou monopólio. A atual queda de braço entre o ministro da Economia Marcílio e a indústria automobilística, o senhor acha que vai resultar em quê? Normalmente, quando há essa quebra de braço, historicamente a indústria tem vencido. Isso é uma coisa. A outra coisa é se senhor aceita, como defensor, por exemplo, do imposto único e um crítico, como o senhor é, da carga tributária, se o senhor acha justo esse tipo de argumentação da indústria, de que ela é penalizada com o excesso de carga tributária. Roberto Campos: Eu acho que é um caso em que ambos têm razão, há razão do lado das multinacionais automobilísticas e há razão do lado do ministro da Fazenda. Ele se angustia obviamente com esse aparente absurdo: há carros nos pátios de estacionamento e os preços continuam subindo. Do ângulo das empresas, qual é a situação? Elas foram, no passado, favorecidas demais e prejudicadas demais. Favorecidas demais porque se beneficiaram de duas coisas de que não se deveriam ter beneficiado: o nível excessivo de proteção, que em alguns casos chegou até a proibição de importação, e preços de aço subvencionados. Nada disso era merecido por essas empresas ou para elas necessário. Em contrapartida, essas empresas foram duramente punidas, e a explicação da existência das nossas "carroças" [referência à qualidade dos carros fabricados no Brasil que seria inferior a dos carros fabricados em países de Primeiro Mundo] é precisamente essa: houve quatro castigos impostos à indústria automobilística. Primeiro: controles de preços completamente irracionais. Luiz Gutemberg: [interrompendo] Que não impediram que os balanços delas sempre apresentassem excelentes resultados. Roberto Campos: Gutemberg, se apresentassem [excelentes] resultados, você teria os japoneses correndo para cá, os franceses correndo para cá, os ingleses correndo [para cá]. O nosso problema é reter essas empresas, porque o Brasil não tem lucratividade suficiente. A Ford está saindo... Luiz Gutemberg: [interrompendo] Mas em um certo momento elas se organizaram para evitar que entrassem outras empresas; elas impediram; houve interesses. Roberto Campos: Obviamente, as empresas sempre querem um oligopólio, mas não havia nenhuma legislação que obrigasse o governo a atender a esse pedido, ao contrário do monopólio da Telebras, do monopólio da Eletrobrás, do monopólio da Petrobrás... Luiz Gutemberg: Mas a implantação da indústria automobilística no Brasil... Roberto Campos: ...não havia monopólio da indústria automobilística. Vieram várias empresas depois que o primeiro grupo se consolidou. Vieram a Fiat, a Volvo, a Scania-Vabis, houve uma incursão francesa aqui com a Renault, que depois saiu, mas eles não deviam ter tido nenhum oligopólio. A entrada no mercado era por lei livre e deveria ter ficado livre administrativamente. O governo errou ao criar uma espécie de oligopólio administrativo que não era exigido pela lei. Mas em que elas sofreram? Controles de preços, punição às exportações – seja por dificuldade em alguns casos de licenciamento, mas principalmente pela taxa cambial –, proibição de importação de peças, elas foram obrigados a comprar peças no mercado local. Nosso carro é talvez o único do mundo em que 99% do automóvel é feito no país. Aloysio Biondi: Deputado, o senhor dá licença um minutinho? Roberto Campos: Só queria terminar. Quarto: a suprema punição, a idiota punição, a vergonhosa punição da desatualização em informática com a Lei de Informática, que transformou realmente nossos automóveis em carroças da idade pré-eletrônica. Elas foram punidas. Aloysio Biondi: Eu acho que é importante... O senhor falou que a Ford fechou uma fábrica aqui porque o Brasil não seria mais atraente para o capital estrangeiro. A gente viu recentemente que a General Motors está fechando 30 fábricas no mundo todo. O senhor sabe que a Ford, por exemplo... o mercado americano está muito ruim; a Ford na verdade reduziu drasticamente a produção de caminhões lá, daí ela ter reduzido as importações do Brasil. Eu acho que isso aí coloca uma questão importante: quando o setor fica só nas mãos do capital estrangeiro, quer dizer, não tem uma empresa nacional também, a política é muito a política da matriz. Eu acho que se vendeu muito essa idéia de que a Ford está saindo do Brasil, que a General Motors eventualmente pode também reduzir a produção no Brasil porque nós somos um país péssimo, quando na verdade é uma política da matriz. A Volkswagem, por exemplo... havia um acordo do Brasil com a Nigéria na área de petróleo, de troca, em que a Volkswagem daqui exportava para a Nigéria. Em 82, com a crise da dívida, a matriz da Volkswagem passou essa cota de exportação para o México – o senhor deve ter conhecimento disso. Então, é uma questão que eu ia colocar sobre a abertura do capital estrangeiro, temos que ir para a modernidade, tudo bem. Mas, em alguns setores, [com] a inexistência de uma empresa nacional no setor, a gente fica totalmente dependente da política da matriz. Em relação ao [setor] automobilístico, o senhor falou dos incentivos e disse que a indústria foi penalizada por um dólar artificialmente cotado muitas vezes. Só que eu gostaria de lembrar a existência do Befiex [Comissão para Concessão de Benefícios Fiscais a Programas Especiais de Exportação], que permitia exatamente à indústria automobilística importar até 30% do que ela exportava, certo? Então, calculava-se que o dólar da indústria automobilística não era esse, o dólar valia o dobro, porque, na verdade, ao mesmo tempo em que havia os índices de nacionalização, havia autorização... todas as empresas do Befiex tinham autorização para... Fátima Turci: [interrompendo] Basicamente em proporção de três para um... Aloysio Biondi: Exatamente, já era o Befiex. Então, não sei quem tem razão, se é o ministro ou a indústria automobilística, mas na verdade eu também me pergunto se aqui é tão ruim. Com tantas vantagens assim, como é que não se compete? Em relação às carroças, um estudo divulgado na semana passada mostrou que algumas fábricas no Brasil estão defasadas em mais de vinte anos em relação aos modelos lá. Então, será que só a Lei da Informática que foi culpada por esse atraso ou realmente não houve interesse da indústria automobilística aqui em modernizar a sua produção? Em resumo, talvez indo para sua linha, neste momento em que se tenta abrir mercado, criar concorrência, será que as multinacionais também não vão ter que mudar de atitude? Elas foram totalmente santas nesse período todo da vida do país? Roberto Campos: Biondi, em primeiro lugar, eu gostaria de lhe colocar uma pergunta. Você acha que uma indústria nacional teria sobrevivido a essas inconstâncias em nossa política? Ora exporta, ora não exporta... Aloysio Biondi: Mas... Roberto Campos: ...sobem os custos... Aloysio Biondi: ...eu respondo... Roberto Campos: ...e se mantém o controle de preços. Nós tivemos três indústrias automobilísticas nacionais, nós tivemos a Vemag, que faliu; nós tivemos a Willys Overland, que desapareceu; nós tivemos a Simca, que tentou se implantar no país. A questão... Aloysio Biondi: [interrompendo] Não, mas isso aí foi redivisão de mercado... Roberto Campos: ...é que nós não tínhamos um conjunto de políticas capazes... Aloysio Biondi: O senhor mesmo estimulou a redivisão de mercado; o senhor mesmo estimulou em 75. O senhor estimulou através de escala de produção... Roberto Campos: Eu acho que se nós tivéssemos uma indústria nacional [automobilística], pobre dessa indústria nacional, já teria falido há muito tempo. [Aloysio Biondi continua falando ao fundo]. Essas multinacionais se agüentaram porque várias delas tinham mercados externos... [...] várias vezes eram abastecidas de capital pela matriz. [sobreposição de vozes] Jorge Escosteguy: [interrompendo] Vamos tentar organizar um pouquinho. O deputado responde e, em seguida, os outros fazem perguntas. Você colocou duas questões, uma: se no fundo não se trata de uma política da matriz dessas multinacionais em relação ao enxugamento de sua produção e das suas fábricas no mundo, fato como de a Ford estar fechando unidades no Brasil; e outra: se a própria indústria automobilística brasileira não se preocupou em se modernizar, por isso tem esse atraso e, no fundo, não é tudo culpa da questão da Lei da Informática. Fernando Mitre: Talvez a questão mais importante seja a seguinte: se o deputado não acha perigoso, em certos setores, como o da indústria automobilística, não haver indústria nacional. É a questão que ele colocou. Roberto Campos: Bom, eu acho utilíssimo que haja uma indústria nacional. Existirá uma indústria nacional se nós tivermos constância e coerência de política. Com o atual ioiô em política econômico-financeira, as empresas nacionais não agüentam, não agüentam porque elas não têm apoio de capitais externos, não agüentam porque elas não têm os mercados externos que uma multinacional consegue arranjar e com isso sobreviver. A indústria automobilística é oligopolística em todo o mundo. Na França, você tem dois produtores; na Itália, praticamente um grande produtor que absorveu os outros, [que] é a Fiat, que absorveu a Alfa Romeo, Isotta-Fraschini etc; na Inglaterra, a indústria inglesa propriamente quase desapareceu, é hoje uma indústria japonesa; nos Estados Unidos – e aí está a explicação –, a Ford e a General Motors nos Estados Unidos estão se contraindo lá violentamente porque não conseguem concorrer com os japoneses lá. Aqui no Brasil, não haveria razão para sair do Brasil porque aqui não há concorrência japonesa, talvez venha no futuro, [mas] no momento não há. Se estão desativando investimentos aqui é porque realmente o nosso mercado é um mercado não só pobre – nosso mercado hoje é inferior ao de 12 anos atrás, é inferior ao de 1980 –, como porque existe um complexo de leis, regulamentos e imposições que, ainda se fossem regras de jogo estáveis, seriam suportáveis, mas são regras delirantes do jogo a que ninguém pode se adaptar. Luiz Gutemberg: Então, até que ponto esse problema econômico brasileiro é puramente econômico ou é político? Em que momento... o senhor, quando estreou no Senado [em 1983], fez um discurso impressionante e tal, e terminou em monólogo, porque não teve conseqüências, quer dizer, o senhor não voltou a fazer outros discursos, talvez não tenha sido suficientemente espicaçado, nem teve certamente a oportunidade para fazer isso. Na verdade, o senhor faz um monólogo, o senhor fala, fala, fala etc, às vezes profeticamente, na sua posição antiesquerdista e tal, anti-socialista e tal, mas no fundo o senhor faz um discurso de um professor de economia, de um economista... Luís Nassif: [interrompendo] Eu quero pegar esse gancho seu, que é importante, depois de você. Luiz Gutemberg: Pois é, ele faz um discurso de economista e, na verdade, o problema é político. O senhor, politicamente, não tem o peso que o senhor tem como economista. Roberto Campos: Gutemberg, o Brasil não mudou, o Brasil hoje não quer se modernizar, o Brasil não quer abertura internacional, o Brasil não volta ao Fundo Monetário Internacional, o Brasil não quer reformar a Constituição, o Brasil não aboliu praticamente a Lei de Informática. Você acha que eu não tive nenhuma contribuição para isso? Você acha que eu não semeei... Luiz Gutemberg: [interrompendo] O senhor foi profeta de tudo isso, exatamente. Roberto Campos: Não, mais do que profeta, eu semeei; outros podem ter colhido, mas eu semeei, meu caro Gutemberg. Boa parte dessa semeadura foi minha. Eu fiquei por muito tempo isolado porque exatamente pregava coisas... Luiz Gutemberg: [interrompendo] Eu acho que, politicamente, o senhor continua isolado. Roberto Campos: ...que pareciam utópicas. Eu fui um herege que se transformou em um profeta, meu caro Gutemberg, há mérito nisso. Luís Nassif: Deputado, eu acho realmente que seu discurso tem muitos pontos relevantes, nessa mudança cultural no Brasil o senhor está presente, no discurso liberal, na redução do paternalismo, desregulamentação. Mas na hora em que entra em políticas sociais, os liberais, eles... não sei o que acontece, dá uma travada – a não ser com algumas exceções, como o [economista] Eduardo Giannetti [da Fonseca] –, dá uma travada danada. Então, quando se fala em progressividade, que eu acho que é um instrumento moderno, um instrumento eficiente, não é paternalista, de você conseguir proteger um pouco os pobres, o tema da progressividade é tratado como se fosse... como diz o [político liberal] João Mellão [Neto, que foi ministro do Trabalho em 1992]: “Não, você vai premiar... se a pessoa ganhou mais, é porque ela foi melhor, foi mais eficiente, foi mais inteligente, e ela não pode ser punida”. [Isso] é algo que vai contra, inclusive, os princípios da substituição de um modelo paternalista para um modelo tributário que garanta... Por que [os liberais] têm essa dificuldade? Outro ponto: em relação, por exemplo, às dívidas do Brasil, quando se mexe com os credores externos, há uma grita grande... O senhor tem razão em muitos pontos que o senhor coloca: há necessidade de se criar um cenário favorável ao investimento estrangeiro, mas quando se fala de políticas sociais, dos débitos que o governo tem com fundos sociais e tudo, há um silêncio atroz. O que acontece com os liberais que não conseguem definir, ao lado de sua faceta modernizadora, essa faceta de uma visão social mais moderna? Jorge Escosteguy: Essa questão social do liberalismo também é colocada pelo telespectador Ataíde Silva Passos, aqui de São Paulo, e pelo Fernando Wagner, de Santos, que também pergunta por que as idéias liberais não conseguem se firmar no Brasil? Roberto Campos: Bom, vamos por partes. Em primeiro lugar, a progressividade: progressividade é um conceito que já atingiu o seu apogeu e hoje está em declínio. A progressividade, a idéia de progressividade nos impostos se baseava na idéia de que o particular gasta mal e que o governo gasta bem, portanto é ético, é moral tirar do indivíduo, que gasta mal, para entregar ao governo, que gasta bem. Mas, Nassif, o governo gasta bem? Luís Nassif: Não, mas não é por aí. Roberto Campos: Nós estamos vendo enorme desperdício do governo. Quando se estabelece o imposto de renda progressivo, corre-se um grande risco: o risco é que os melhores cérebros, os mais incentivos, os mais inventivos, os mais criadores percam incentivos, e a produtividade global da sociedade baixa. O que é justo é o imposto proporcional: cada um paga proporcionalmente a sua renda. Você querer que alguns – porque são mais ativos, enérgicos, diligentes ou por um acidente de mercado –, que têm maior renda, sejam por isso punidos é safadeza. Luís Nassif: [interrompendo] O princípio básico da progressividade, o princípio básico da progressividade... Roberto Campos: Você está castigando o mérito, a diligência. Então, progressividade é um conceito fadado a desaparecer. Luís Nassif: É um conceito que parte do princípio de que os primeiros cruzeiros, a primeira parte do salário que você ganha destina-se a atendimento de necessidades básicas, alimentação, depois o restante é para consumo e para a poupança. Então, dentro desse mesmo princípio... Roberto Campos: [interrompendo] Você está possuído pela ideologia Robin Hood: tirar do rico para dar ao pobre. Não é isso, não, eu não quero que o rico dê dinheiro ao pobre, não deve, não. O rico deve investir, fazer investimentos para criar empregos, para que os pobres prosperem; nada de dar dinheiro ao governo, nada de dar dinheiro aos pobres. O ideário liberal é esse: o agente econômico deve atingir o máximo de sua produtividade e eficiência para que ele invista dinheiro, e o pobre vai derivar sua renda do emprego criado pelo investimento dos tomadores de risco. Luís Nassif: Mas quando o senhor cria... A questão é a seguinte: a progressividade tira dinheiro do contribuinte para dar para o governo? Aí é um falso paradoxo. Você tem um bônus xis de impostos que tem que ser... Roberto Campos: [interrompendo] O que o governo faz com esse dinheiro? Você está vendo aí na saúde, nos escândalos da saúde. Luís Nassif: Não, então o senhor condena o princípio do imposto como um todo, não da progressividade. Se tem um bônus xis que tem que ser captado... Roberto Campos: Você está vendo na Previdência, você está vendo na saúde. O governo é um malfeitor, meu caro. Luís Nassif: Mas a progressividade não é tirar do... Roberto Campos: É um malfeitor. Você tem que confiar ao governo algumas tarefas fundamentais. E os liberais, o que querem? Querem que o governo deixe de investir em Petrobras, em [indústria] petroquímica, em aço, para investir em saúde e educação. Os liberais é que são os éticos, os moralistas, os que querem ajudar os pobres, afastando o governo de tarefas que não lhe convêm e concentrando no governo os seus deveres fundamentais. Luís Nassif: Deputado, o senhor, como um sujeito cartesiano, o senhor está se sofismando, me desculpe [Roberto Campos ri]. Eu estou falando que tem um xis que tem que ser arrecadado da sociedade... [sobreposição de vozes] Jorge Escosteguy: Um minutinho, um de cada vez, por favor. Nassif vai terminar a pergunta; em seguida, o Dácio Nitrini. Roberto Campos: Não tem xis nenhum. Luís Nassif: Uai, então não arrecada nada, então abole o imposto... Roberto Campos: [Deve-se] arrecadar o estritamente necessário para a função social do governo; você arrecada para fazer bombinha nuclear... Luís Nassif: Deputado, deixe eu só terminar. Jorge Escosteguy: Só uma coisa, Nassif, nós não estamos discutindo aqui quem tem razão. Cada um tem a sua opinião. Então, por favor, a segunda parte da sua pergunta o deputado responde e, em seguida, o Dácio Nitrini, por favor. Luís Nassif: Você está muito positivo, está muito gaúcho você também [ri da colocação de Jorge Escosteguy]. O ponto básico é o seguinte: tem um xis de impostos que tem que ser arrecadado, isso aí é inegável, tem que ser arrecadado. O que se discute é se esse xis vai ser distribuído de maneira proporcional a todos os ganhos ou se vai se jogar um pouco mais [de impostos] para quem ganha mais para aliviar quem ganha menos. Esse é o ponto, não é questão de tirar do outro. Fátima Turci: [interrompendo] Pediria para o deputado explicar qual é a tese dele. Roberto Campos: Você não alivia quem ganha menos, você alivia o governo, que cria uma enorme burocracia e não ajuda o povo. Luís Nassif: O senhor está sofismando, com todo o respeito. Roberto Campos: O governo obviamente tem que arrecadar alguma coisa. Que coisa? O estritamente necessário para o cumprimento de suas funções básicas, que são: saúde, educação, parcialmente a infra-estrutura, defesa, segurança e justiça. É isso, nada mais. Nada que dar dinheiro ao governo. Luiz Gutemberg: Mas o senhor serviu a dois governos que aplicaram em infra-estrutura e puseram a infra-estrutura como sendo fundamental: o governo Juscelino [entre 1956-1961], ao qual o senhor serviu, e certamente renegou depois, porque serviu depois ao governo que cassou o presidente Juscelino, e depois o senhor serviu... Roberto Campos: [interrompendo] Eu votei contra a cassação do Juscelino; fui o único ministro a votar contra. Luiz Gutemberg: É bom o registro. Roberto Campos: E botei meu cargo na mesa do Castelo Branco [e disse]: “Não concordo com essa cassação; o meu cargo está a sua disposição; faça a substituição”. Jorge Escosteguy: E o presidente lhe respondeu? Roberto Campos: O presidente deu um voto de consciência, [dizendo]: “Mas eu não posso aceitar a sua demissão”. Luiz Gutemberg: Depois o senhor serviu aos governos militares; depois da sua experiência de banqueiro, o senhor serviu ao governo Geisel, que foi o governo que retomou a fé na construção da infra-estrutura como sendo elemento fundamental para o desenvolvimento brasileiro. No entanto, agora o senhor fala que esse Estado não deve ter [como função financiar senão] uma parte da infra-estrutura. Ora, o governo Geisel e o governo Juscelino investiram basicamente naquilo que a empresa privada nacional não tinha recursos para fazer e o capital internacional não estava interessado em realizar. Portanto, o senhor está sendo contraditório. Roberto Campos: Não, o governo investiu na infra-estrutura, e é uma das responsabilidades governamentais prover a infra-estrutura, não totalmente, [mas] naquela função que não pode ser executada pelo capital privado. Houve uma fase na vida latino-americana em que se associava a idéia de infra-estrutura automaticamente a governo, isso é um erro. A infra-estrutura no Brasil não foi criada pelo governo... Luiz Gutemberg: [interrompendo] E teríamos siderurgia se não fosse Volta Redonda [refere-se à empresa estatal Companhia Siderúrgica Nacional, criada nos anos 40. Em 1993, foi privatizada]? Roberto Campos: Quem é que criou a Ligth [empresa privada canadense de geração, comercialização e distribuição de energia elétrica que atua no Brasil desde 1899]? Quem é que criou a eletricidade no Brasil e permitiu a industrialização de São Paulo, foi o governo? Foi a Ligth. Quem é que criou o sistema telefônico no Brasil? Foi uma empresa canadense e uma empresa americana. Quem é que fez os frigoríficos, quem é que fez os portos, quem é que construiu as ferrovias? Lembre-se, meu caro Gutemberg, você é jovem demais... Luiz Gutemberg: [interrompendo] Mas eu me lembro que o senhor, no governo Castelo Branco, o senhor defendeu... [sobreposição de vozes] Roberto Campos: Eu já estou no crepúsculo da vida. Eu vivi o tempo em que um investimento na infra-estrutura era investimento privado. O governo entrou na infra-estrutura, no período Juscelino, porque... Luiz Gutemberg: [interrompendo] E a encampação que o senhor promoveu nas empresas de energia? Roberto Campos: ...o governo negou tarifas, inviabilizou a iniciativa privada nesses setores. Ao inviabilizar a iniciativa privada nesses setores, ele chamou a si a responsabilidade da infra-estrutura, mas isso está mudando na América Latina. Luiz Gutemberg: O senhor criou a doutrina... Roberto Campos: México, Argentina, o próprio Brasil, estão vendendo a infra-estrutura, porque os governos se declaram incapazes de investir na infra-estrutura. Luiz Gutemberg: Mais o senhor criou a doutrina para a encampação de serviços públicos. Roberto Campos: As ferrovias estão sendo privatizadas na Argentina; as telecomunicações foram privatizadas no Chile, na Argentina, no México e na Venezuela. O governo se está demitindo da infra-estrutura, reconhecendo finalmente a sua incapacidade... [sobreposição de vozes] Roberto Campos: ...e reconhecendo que investir ou não em infra-estrutura é problema de tarifas. Se houver tarifas, você pode ter capital privado, se não houver, você não pode. Jorge Escosteguy: Por favor, antes do intervalo, uma última pergunta do Dácio Nitrini para completar a roda, por favor. Dácio Nitrini: Tem uma questão muito atual, é a questão das aposentadorias da Previdência Social. Há pouco, no início do programa, o senhor fez um gesto de repúdio à expressão “política salarial” e falou em salário de mercado, de livre negociação. A Previdência Social também deveria ser uma questão de mercado? Ela deveria ser totalmente privatizada, dentro do conceito do seu raciocínio liberal? Roberto Campos: A posição liberal é que cabe ao indivíduo decidir se ele confia o seu destino ao Estado ou se ele prefere fazer com que o seu destino seja protegido mediante investimentos no mercado. É o sistema de livre opção: quem quiser continuar na previdência pública, que o faça. Eu considero isso masoquismo, ante a total incapacidade do governo de prover serviços decentes; velhos esperando na fila ante burocratas grevistas e cruéis. Mas, se alguém prefere a previdência pública, exclusivamente, é perfeitamente lícita essa opção. O que não se deve é obrigar todo mundo, mesmo aqueles, como eu – eu não confio no governo –, que acham o governo um malfeitor a ser tolerado, uma conveniência inconveniente. Estes, que não acreditam no governo, devem ter a opção de buscar o seu seguro no mercado privado. Qual é a postura de um liberal? Seria: todo mundo deve prover a sua própria sustentação usando as contribuições que antes pagavam ao governo para comprar cotas de fundos privados de pensão e aposentadoria. Se, por acaso, ao longo de sua vida laboral, um cidadão não acumula suficiente renda que lhe garanta uma aposentadoria, aí então o governo entra supletivamente, fornecendo esse mínimo de sobrevivência. O governo, então, não seria titular de previdência compulsória, ele teria a obrigatoriedade de prover previdência supletiva, se o cidadão não conseguisse obtê-la por vias de mercado. [...]: Seria um imposto de renda negativo. Roberto Campos: Seria um imposto de renda negativo. O cidadão procurou usar as suas contribuições para comprar cotas de fundos de pensão, e verifica, ao chegar à aposentadoria, que essas cotas não lhe rendem uma renda mínima suficiente; cabe então ao governo... Luís Nassif: [interrompendo] Todo mundo então que comprou essas cotas antes do cruzado está nisso, não é? Roberto Campos: Não, o que havia eram cotas de renda fixa antes da correção monetária. Você se esquece que houve um fenômeno chamado inflação, que anarquizou tudo. Luís Nassif: Estou falando antes do cruzado. Roberto Campos: Pois é. Luís Nassif: Teve uma regra de conversão do cruzeiro para o cruzado que praticamente tornou pobres todos os planos. Roberto Campos: Sim, mais uma dessas intervenções governamentais. Isso foi o resultado de choques. Vivemos em choques, o governo quer que a gente confie na moeda e ele próprio destrói a moeda. Jorge Escosteguy: Deputado, por favor, desculpe a interrupção, Mitre e Nassif, mas é que nós temos que fazer um intervalo, porque há outras emissoras transmitindo o programa. Nós voltamos daqui a pouco com o Roda Viva, entrevistando hoje o deputado federal pelo PDS do Rio de Janeiro, Roberto Campos, até já. [intervalo] Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva, que hoje está entrevistando o ex-ministro, ex-embaixador, ex-senador e atual deputado federal, pelo PDS do Rio de Janeiro, Roberto Campos. Deputado, um pouco antes do intervalo o senhor falava sobre privatização, e essa é uma preocupação geral das pessoas, dos telespectadores, inclusive porque ela nem sempre é bem compreendida. Por exemplo, o José Augusto Vasconcellos, aqui de São Paulo, pergunta até que ponto o senhor acha que deve ir à privatização, se incluiria inclusive o Banco do Brasil, além da Petrobras. E o Gustavo Haddad, de São Paulo, também chega a falar na privatização do sistema penitenciário. Roberto Campos: Para mim, a privatização deve ir até o máximo realisticamente possível, ficando o governo confinado às suas vocações fundamentais que tanto descumprem. Privatização da Petrobras, eu acho desnecessária. A Petrobrás é grande demais: são 56 mil funcionários; parece que há 24 sindicatos na Petrobras; há 141 empresas subsidiárias; é um monstro, grande demais. Seria um louco quem quisesse comprar a Petrobras. O importante é extinguir-se o monopólio da Petrobras, para que outras empresas possam surgir e com ela competir. Qual o outro aí? Banco do Brasil, eu acho que devia ser privatizado, não há razão para se ter um banco oficial. Os países desenvolvidos, vários deles não têm, não é absolutamente necessário que o governo seja um banqueiro. Qual o outro? Jorge Escosteguy: Um telespectador falou inclusive no sistema penitenciário. Roberto Campos: Se quiserem privatizá-lo, como está sendo feito nos Estados Unidos, a rigor não é uma privatização do sistema penitenciário, é a privatização da prestação de serviço, com a idéia de que o serviço será mais barato. Isso é uma coisa a se testar empiricamente. Devíamos privatizar uma ou duas prisões para ver se realmente... Jorge Escosteguy: Se funciona. Roberto Campos: ...se torna mais barato. Se funcionar, eu não teria nenhuma objeção ideológica a isso. Fernando Mitre: Deputado, a respeito de uma questão fundamental, que é a Previdência, o senhor no final do primeiro bloco colocou filosoficamente sua posição. Hoje, o governo tem um projeto, quer dizer, o INSS tem aí um projeto que, pelo que eu posso ver, é um passo gigantesco dado à frente, mas parece que ainda assim ele é insatisfatório para o senhor. Eu gostaria que o senhor colocasse em termos práticos: o que o senhor espera deste projeto e deste governo na área da Previdência? Que solução prática e possível o senhor recomendaria agora? Roberto Campos: Não são ainda conhecidos os contornos finais da proposta governamental. No projetão... Fernando Mitre: [interrompendo] O Jornal da Tarde publicou a íntegra do projeto. Roberto Campos: Hoje? Fernando Mitre: Não, publicou faz uns dez dias. Roberto Campos: Bom, mas não existe ainda um projeto apresentado ao Congresso. Existia no projetão... Fernando Mitre: [interrompendo] Não, apresentado ao Congresso não, mas... Roberto Campos: ...um elenco de idéias. Este elenco de idéias representa significativo avanço: é a transformação de um tumor, como eu digo, num furúnculo, é sempre um avanço. Quais são as vantagens e defeitos da proposição governamental, tal como imagino venha a aparecer no Congresso? Primeiro, reconhece a inviabilidade de um sistema que admita a aposentadoria por tempo de serviço. Segundo: um sistema que admite essa variedade de aposentadorias especiais, que faz com que haja gente aposentada com 40, 42 anos, sem um período longo... com vida do beneficiário maior que o seu período de contribuição... são coisas realistas. Terceiro lugar: o confinamento da garantia governamental de benefícios a um determinado limite inferior ao atual, possivelmente cinco salários mínimos. Essas proposições... a separação entre Previdência e saúde – saúde sendo coberta por via orçamentária e não por via securitária –, trata-se de progresso na concepção da Previdência. Fernando Mitre: Mas abre espaços... Roberto Campos: Agora, há defeitos. Primeiro defeito, a meu ver: é antidemocrático. Nada que implique em obrigatoriedade de previdência pública é democrático, porque destrói a liberdade de opção do indivíduo. Eu devo optar se quero confiar o meu destino ao governo ou se vou buscar minha recompensa no mercado, ninguém me deve impor isso. Então, o projeto do governo é antidemocrático. Segundo: eu acho que só admite a previdência privada a partir de cinco salários mínimos. Fernando Mitre: Exatamente, mas abre espaço... Roberto Campos: Mas por que os pobres, que não têm a possibilidade de suplementar um magro pecúlio governamental com a compra de seguro privado, por que os pobres exatamente serão os mais punidos? Eles é que são obrigados, porque não têm outro recurso, a confiar totalmente no governo; a classe média, não: ela desconfia um pouco do governo, dá lá a sua contribuição, na esperança de abiscoitar os cinco salários mínimos, e que esses salários sejam reajustados no tempo é uma esperança, não tem sido uma realidade. Agora, o pobre do cidadão que podia usar os seus 10% de desconto para comprar um seguro privado, fazer o seu o seu pecúlio, esse não, esse está ferrado. Aloysio Biondi: Por que não pode? Por que não pode? Roberto Campos: Ferrado, ferrado. Tem que recorrer ao seguro governamental. [Não pode] por imposição. Aloysio Biondi: Deputado, eu queria até recolocar uma questão. O senhor falou que o liberal acha que cada um vai ganhar de acordo com sua capacidade, vai ter um pecúlio ou não de acordo com sua capacidade. Isso é mesmo liberalismo? A sociedade moderna não foi se fundamentando exatamente porque o indivíduo já não ficava mais sozinho? Quer dizer, aquele que não podia, quer dizer, os desvalidos, os pobres, os doentes, os deficientes, a sociedade civilizada – não é nem moderna, a civilizada – não se formou exatamente para que os indivíduos que não tivessem condições tivessem a solidariedade da sociedade como um todo? O papel do Estado não é exatamente isso? Esse liberalismo é um liberalismo ou nós estamos voltando ao tempo de selvageria, quer dizer, cada um por si e Deus por todos? Isso não é negação do próprio Estado, isso é liberalismo ou é anarquismo? Aliás, o ministro Simonsen, na revista Exame, agora no comecinho de janeiro, questiona já esse liberalismo como já está acontecendo na Inglaterra e nos Estados Unidos. Todo mundo que vai aos Estados Unidos vê um crescimento fantástico da miséria, as estatísticas estão mostrando isso. Eu tenho a impressão que, como tudo é modismo no pensamento econômico, a gente teve essa década de pregação do liberalismo, mas as conseqüências sociais disso estão surgindo. O senhor acha realmente que uma sociedade civilizada não tem obrigação de cuidar dos pobres, dos deficientes, dos doentes, é cada um por si? A minha pergunta é essa: se isso é liberalismo ou se isso é realmente uma teoria que está sendo empurrada goela abaixo da gente nesse momento. Roberto Campos: Ô, Aloysio, você considera a sociedade socialista, os países socialistas... Aloysio Biondi: [interrompendo] Não, eu não falei socialista. Roberto Campos: ...uma sociedade civilizada? Aloysio Biondi: Os Estados Unidos não eram socialistas e eles... Roberto Campos: Pois bem, as sociedades socialistas foram criadas... Aloysio Biondi: Não senhor, não senhor. Eu disse qualquer sociedade civilizada... Roberto Campos: ...na percepção de que o governo promoveria a solidariedade... Aloysio Biondi: O capitalismo americano não era isso... Roberto Campos: ...entre os membros da sociedade... Aloysio Biondi: O Estado redistribuindo recursos e assistindo a quem não pode. Roberto Campos: Pois é, resultado: falência, crueldade, fome, miséria, desintegração. Então, se você... Aloysio Biondi: Inglaterra, falência; França, falência; Estados Unidos, falência... Roberto Campos: Não me venha com essa história de solidariedade promovida pelo governo... Aloysio Biondi: Não é pelo governo, é pela sociedade. O governo apenas representa a sociedade. Roberto Campos: ...Solidariedade promovida pelo governo é o desastre socialista, meu caro. Jorge Escosteguy: Por favor, um de cada vez. Roberto Campos: Passemos agora ao caso norte-americano. Obviamente, é uma sociedade com bolsões de miséria... Aloysio Biondi: Bolsões... Roberto Campos: ...mas é uma sociedade que também é o depósito de miseráveis. É a única grande sociedade multirracial do mundo que se tornou um depósito de miseráveis, miseráveis do Haiti, miseráveis da Nicarágua fugindo do socialismo... Aloysio Biondi: Miseráveis e negros que foram levados para lá há séculos. Roberto Campos: ...miseráveis da Guatemala, miseráveis brasileiros. Essa grande sociedade multirracial absorve gente, é a única grande sociedade aberta. O Japão não absorve ninguém; a Suécia, elegante e tal, carismática, mas não absorve ninguém. A grande sociedade que se tornou depósito de miseráveis do mundo, e que os regenera em parte... Aloysio Biondi: [interrompendo] Mas a minha pergunta é se o senhor está de acordo com isso. Roberto Campos: ...e talvez os regenere totalmente no futuro foi a sociedade americana. Aloysio Biondi: A minha pergunta é se o senhor está de acordo com isso. Roberto Campos: Recebe vietnamitas, recebe haitianos, recebe nicaragüenses. Você já imaginou se nós tivéssemos aqui uma invasão do pessoal do Haiti, da Nicarágua, do Vietnã, o que é que faríamos? Aloysio Biondi: A minha pergunta é se o senhor está de acordo com isso. O senhor acha que deve ser assim... Roberto Campos: É essa a situação a que você se refere... Aloysio Biondi: ...que o pobre deve morrer? Roberto Campos: ...depreciativamente? [Os Estados Unidos] criaram 18 milhões de empregos em 12 anos. Jorge Escosteguy: Por favor, o senhor já fez a pergunta, ele vai responder. Por favor, senão não vamos chegar... Deputado, a pergunta do Aloysio, se o senhor acha que esse liberalismo que o senhor está pregando é liberalismo mesmo ou nós estamos voltando a uma espécie de barbárie de cada um por si e Deus por todos. É isso, Aloysio? Aloysio Biondi: Isso. Jorge Escosteguy: Deputado, por favor. Aloysio Biondi: E se é isso que o senhor quer para o Brasil. Roberto Campos: Quais são as civilizações mais prósperas do mundo, que melhor elevaram o padrão de vida do indivíduo? São as civilizações que se baseiam na economia liberal; não foram civilizações socialistas. Luís Nassif: Mas que têm políticas sociais também, deputado. É que quando se fazem comparações, a gente fala de um capitalismo com políticas sociais. De repente, para se estabelecer, digamos, o paralelo com o liberalismo, já se vai direto para uma economia planificada, [mas] a gente está falando de capitalismo com políticas sociais. Roberto Campos: Ah, você é a favor do meio-termo, terceira via, socialdemocrata, murismo, PSDB? Deus me livre... [risos]. [sobreposição de vozes] Fátima Turci: Deputado, desculpe, mas aí o senhor usou do artifício que o senhor está reputando para o PSDB, quer dizer, o artifício de não ter respondido à pergunta do Aloysio e a do Nassif. Roberto Campos: O liberalismo é a expressão mais alta de civilização humana, é a expressão mais alta de civilização humana. Fernando Mitre: É uma forma de o senhor responder? Roberto Campos: Foi o liberalismo que, a partir de 1776, assegurou o progresso da revolução industrial e a implantação da democracia... Aloysio Biondi: [interrompendo] Mas cuidava do [...]. Roberto Campos: O liberalismo entrou em ocaso quando? Em 1917 [Revolução de 1917] e, depois, com a grande recessão [a crise de 1929], da qual surgiram sistemas que se diziam solidários, capazes de resolver a miséria: o comunismo e o fascismo, duas ideologias autoritárias. Hoje estamos assistindo a quê? A uma ressurreição do liberalismo, como o sistema mais capaz. Não é um sistema perfeito, tem grandes imperfeições, mas tem-se que considerar a coisa relativamente. Qual o sistema mais capaz de atingir minimamente três objetivos fundamentais que dificilmente se conciliam: eficiência econômica, liberdade política e equidade social? É o sistema de economia liberal. Jorge Escosteguy: Deputado, só para ver se conseguimos chegar a um acordo, quais são as grandes deficiências do liberalismo então? Roberto Campos: Hum? Jorge Escosteguy: O senhor disse que é um regime cheio de deficiência, quais seriam as grandes deficiências? Roberto Campos: Bom, a grande deficiência do liberalismo é não ser suficientemente liberal [risos]. No caso do Brasil, eu diria que nunca houve liberalismo. Quando se fala em liberalismo no Brasil, mas onde? Este é um dos países mais intervencionistas do mundo, não tem nada a ver com o liberalismo. Duas figuras que estão ausentes da cena brasileira são liberalismo e capitalismo. Como é que você vai ter capitalismo quando você tem controle de preços, intervenção do governo? Fátima Turci: Desde o primeiro bloco, a pergunta do social, que foi feita pelo Nassif, sobre onde está o social no liberalismo, eu não senti que o senhor respondeu, e agora também. Quer dizer, se a gente partir do pressuposto de que realmente aqui ninguém conhece qualquer tese liberal, onde está a equidade social no liberalismo? Quer dizer, como ele consegue fazer justiça ou equidade, enfim, qual seja o nome, dentro do social? Quais os mecanismos que ele pode usar e implementar para conseguir isso? Roberto Campos: O mecanismo fundamental do liberalismo é que, ao deixar livre a iniciativa do indivíduo, sem coerção, ele maximiza a eficiência do indivíduo. Ao maximizar a eficiência do indivíduo, ele contribui para alargar as oportunidades na sociedade. Essa é a grande contribuição do [liberalismo]. Nada mais criativo do que a liberdade individual. Sendo eficiente, sendo a sociedade eficiente, tendo ela um alto nível de eficiência média, há recursos, há recursos então para distribuir. O que não se pode é partir da idéia de que o governo deve interferir na atividade econômica com propósitos redistributivos, porque o que ele faz é diminuir a eficiência, diminuir os recursos a serem distribuídos. Tão Gomes Pinto: Eu queria mudar um pouquinho de assunto. Jorge Escosteguy: Só um minutinho. Antes da pergunta do Tão, e em seguida o Mitre, quero lembrar a telespectadora Ana Valentina, de São Paulo, que o deputado já respondeu sobre a questão da informática e da indústria automobilística. Tão e Mitre, por favor. Tão Gomes Pinto: Eu queria inverter, mudar um pouquinho... Fernando Mitre: [interrompendo] Você vai mudar, mas eu queria, ainda nesse assunto, fazer só uma perguntinha rápida. É a seguinte: qual a solução liberal que o senhor recomendaria, por exemplo, para o problema educacional brasileiro, que está completamente às mínguas? Só isso, eu acho que o telespectador vai entender concretamente a posição liberal na área social se o senhor responder a essa pergunta. Roberto Campos: A primeira coisa que um liberal recomendaria é o governo se afastar de atividades empresariais: privatizar suas empresas e aplicar esses recursos na área social, inclusive educação. E dentro da educação, gastar bem, não gastar antidemocraticamente. O governo gasta dinheiro em educação antidemocraticamente, por quê? Porque dá universidade gratuita aos ricos. Ora, os ricos deveriam pagar a sua universidade para facilitar o acesso dos pobres, que teriam bolsas de estudo para fazer a opção entre a universidade pública e a universidade privada. Nós temos um regime educacional em que, a rigor, os pobres subvencionam os ricos; os pobres pagam impostos que beneficiam os ricos que têm universidade gratuita. Os pobres pagam impostos e não conseguem sequer chegar à escola secundária. Quando chegam à escola secundária, não há suficiente oferta de escolas secundárias pelo governo, e eles têm que ir para a escola secundária privada, ou então não ir para a escola secundária, ou estudar minimamente, criando-se então uma desvantagem ao nível universitário. Temos que reconsiderar todo o problema de educação. Educação, em princípio, é paga, exceto a educação fundamental, essa é gratuita. Educação secundária e educação superior [devem ser] pagas. Agora, o governo deve dar bolsas gratuitas generosas aos filhos de famílias pobres que querem ir à escola secundária e que tenham insuficiência de recursos, insuficiência acadêmica. E ao nível universitário, deve dar bolsas aos pobres, mas bolsas reembolsáveis, eles devem pagar essas bolsas quando chegam ao mercado de trabalho, para se reconstituir o fundo social de educação. Essa é a solução liberal e democrática. Nossa solução [atual] é antidemocrática. Tão Gomes Pinto: Deputado, eu ia mudar de assunto, mas não vou mais, eu vou colocar uma questão ainda referente ao liberalismo. Pelo que o senhor disse, o liberalismo, para dar certo, pressupõe um governo extremamente eficiente, que é o governo que vai decidir quem merece receber a bolsa, o aposentado que não merece se aposentar, [mas] ao mesmo tempo ele vai ter um complemento, vai ser beneficiário de um imposto de renda negativo. Então, esse liberalismo que o senhor propõe está pressupondo um Estado altamente eficiente. Não é uma contradição um Estado eficiente com uma proposta liberal absoluta, ampla? Roberto Campos: Não, Tão, você é um idealista; Estado eficiente é uma coisa difícil. O que o liberal espera é um Estado modesto, um Estado humilde, que reconheça a sua ineficiência e, por isso, se autolimite. O que nós temos é um Estado ineficiente e orgulhoso. O supremo pecado é o orgulho; nossos estatizantes são os grandes orgulhosos [e dizem]: “O Estado é eficiente, o Estado sabe, melhor do que o indivíduo, o que é bom para ele; todo mundo tem que ser feliz à maneira do Estado, ninguém deve ser feliz a sua própria maneira”. Obviamente, o liberal espera que o Estado seja eficiente, mas para isso ele admite que o Estado seja modesto, de funções limitadas no tempo e no espaço. Luiz Gutemberg: Deputado, [quanto à] doutrina, tudo muito bem, mas tem a práxis, a práxis que eu reclamei que o senhor faz... Roberto Campos: [interrompendo] Que você acha que eu não tenho? [ri] Luiz Gutemberg: Não, eu acho que o senhor... eu sou testemunha do seu trabalho, citei o seu discurso, que eu achei que foi um monólogo. Roberto Campos: Você não acha que eu sou um pregador irrelevante e tal? Talvez nas idéias eu acerte, talvez não, mas eu não influencio, é isso? Luiz Gutemberg: Todo mundo sabe que o senhor é um militante. Por essa militância que eu lhe pergunto: como é que, com todo esse acervo intelectual, essa sabedoria profética, o senhor vive do PDS? O senhor por acaso votou no Zé Lourenço ou Victor Faccioni para líder de sua bancada? Roberto Campos: Eu votei no Vitor Faccioni; acho que é um bom líder, um homem lhano, com um ideário liberal, apesar de que recentemente – eu até preciso falar isso com ele – fiquei um pouco desapontado, porque parece que ele teve nota quatro no [livro do] Diap [Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar], e eu me orgulho de ter tido nota zero, e só [...] quem tem a nota zero. Jorge Escosteguy: O senhor acha que ele teve uma nota muito alta? Roberto Campos: Eu vou falar com o Faccioni: “Mas que diabo, você teve nota quatro do Diap; isso significa que você tem uma perversão qualquer socializante”. Jorge Escosteguy: Apenas esclarecendo os nossos espectadores: o Diap é um livro publicado por entidades sindicais que dão notas aos parlamentares segundo a sua atuação no Congresso e as votações que tiveram lá. Roberto Campos: Eu tive zero, e por isso me considero um profeta. Mas por que o PDS? Primeiro, eu não gosto de mudar de partido, eu não acho que partido seja uma roupa a ser mudada de manhã ou de noite e tal. Eu acho que o partido deve ser respeitado como um instrumento político da democracia. Essa infidelidade partidária, para mim, é um dos graves defeitos da vida política brasileira que, se não for corrigido, inviabilizará tanto o presidencialismo como o parlamentarismo. Eu acho que o PDS é o partido que mais se aproxima da ideologia da economia de mercado. Não é um... nenhum partido brasileiro professa abertamente a economia de mercado. Mas, na medida de imperfeições, o PDS é o menos imperfeito, é o que mais se aproxima da ideologia de mercado. Fátima Turci: Mais que o PL? Roberto Campos: Mais que o PL. Eu não considero, por exemplo, o Álvaro Valle – um nobre deputado, muito meu amigo –, eu não o considero um liberal. Jorge Escosteguy: Só pegando um gancho na questão da fidelidade, o telespectador Jaime de Souza, aqui de São Paulo, pergunta se o senhor repetiria o seu voto em Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. Roberto Campos: Repetiria. Eu acho que é um homem muito qualificado para o exercício da administração, foi um grande administrador em São Paulo e agora está amadurecido pela experiência. Eu acho que o Brasil perdeu em não ter Paulo Maluf. E tem [Luiza] Erundina [do PT, que derrotou Maluf para a prefeitura de São Paulo em 1988], meu Deus do céu. Fátima Turci: Eu queria saber qual é a sua previsão do futuro do PDS nas eleições municipais agora, principalmente para o Rio de Janeiro, e o futuro até para a mudança presidencial. Roberto Campos: No PDS do Rio de Janeiro, nós temos um bom acontecimento: vai lançar-se candidato, no dia 13 de março, o Amaral Netto, que é um líder... [(1921-1995), político e jornalista que tornou-se bastante conhecido a partir da década de 1970 por apresentar um programa na Rede Globo, chamado Amaral Neto, o repórter, onde aparecia em reportagens ligadas à natureza e regionalismos de diversas partes do Brasil. Filiado à Arena e, depois ao PDS, teve como principal bandeira política a defesa da pena de morte.] Jorge Escosteguy: [Que defende a] pena de morte. Roberto Campos: ...vigoroso de convicções firmes. Marcamos a convenção que o elegerá, que o designará candidato, para sexta-feira, 13 de março, sexta-feira 13, dia do azar. Jorge Escosteguy: De março. Roberto Campos: Dia do azar dos bandidos e dia da chegada do xerife ao Rio de Janeiro. Tão Gomes Pinto: O senhor defende a pena de morte? Jorge Escosteguy: O senhor defende a pena de morte? Roberto Campos: Defendo. Luiz Gutemberg: Privada ou estatal? [risos] Roberto Campos: Eu sou privatista – o Nassif sabe disso –, absolutamente privatista, exceto de uma coisa – a pena de morte está privatizada, no Rio de Janeiro é inclusive uma indústria –, eu quero que a pena de morte seja estatizada; a única coisa a ser estatizada é a pena de morte. Ricardo Setti: Mas, deputado, o que pode fazer um prefeito contra o bandido? Isso aí é uma retórica que o Jânio [Quadros] usou em São Paulo, graças à qual ganhou a eleição, mas era inteiramente demagógica, porque, como se sabe, as ações de segurança pública não são afeitas a prefeitos. O que pode fazer o xerife Amaral Netto contra os bandidos no Rio de Janeiro, a não ser falar mal? Roberto Campos: Ah, claro, ele pode criar uma crise de consciência; ele pode fustigar o governador; ele pode acicatar o governador... Ricardo Setti: Isso no nível simbólico, não é? Roberto Campos: ...para que o governador se mobilize. No momento, o governador [Leonel Brizola] não tem desafios nem críticas substanciais nessa área, e o Rio de Janeiro virou a Beirute tropical [referência à guerra civil do Líbano]. A gente sabe que sai de casa, não sabe se vai chegar em casa e com quanto vai chegar em casa no bolso. Dácio Nitrini: Pegando essa metáfora do Rio de Janeiro – muitos amigos meus que moram no Rio e a própria imprensa eventualmente do Rio de Janeiro citam – de que os pobres, os marginais eventualmente podem invadir e acabar com a classe média e os ricos do Rio de Janeiro, o [escritor francês] Jean-Christophe Rufin fez um livro [intitulado O império e os novos bárbaros], que foi prefaciado pelo presidente Collor, mantendo uma metáfora um pouco distante. Eu vou citar esse livro, ele fala que os países pobres é que teriam conflitos com os países ricos agora em que se acabou com a questão do comunismo internacional. O senhor acha que a luta de classes está sendo substituída por um conflito direto entre os pobres e os ricos do mundo? Roberto Campos: Bom, há muitos... desde o começo da humanidade, quando eles começaram a formar tribos, havia tribos ricas e tribos pobres, sempre houve nações ricas e nações pobres... Dácio Nitrini: [interrompendo] Mas ele dividiu entre hemisfério norte e hemisfério sul [...]. Roberto Campos: ...sempre houve antagonismo entre eles. O Império Romano caiu pelo confronto, primeiro com o proletariado externo dos bárbaros – e o Rufin provavelmente nos inclui, os subdesenvolvidos, nesse proletariado externo dos bárbaros – ou então pelo proletariado interno, quando se aguçam demais as rivalidades sociais, de modo que eu acredito que o mundo está fadado a viver com grande tensão. Agora, ao contrário do Rufin, eu acho que a fronteira entre a pobreza e a riqueza se tornou muito mais elástica do que ele pensa. Por exemplo, a Ásia era uma região de aguda pobreza, todo mundo imaginava que Singapura, Taiwan, Coréia, países pobres, sobrepovoados, sem recursos naturais fossem focos de pobreza e inquietação, e o que sucedeu? Esses povos se tornaram prósperos, essa tribo pobre ingressou na riqueza no espaço de uma só geração. A América Latina parecia se incorporar à pequena burguesia ocidental, depois, durante os anos 80, voltou o proletariado, mas eis que a América Latina subitamente volta a ter pretensões de burguesia e incorporação ao núcleo ocidental. Então, o Rufin exagera extremamente. Há a grande possibilidade de transferência da pobreza à riqueza, se adotadas políticas satisfatórias, e no momento em que os pobres, o proletariado pobre cesse de atribuir a culpa de seus males a agentes externos, a demônios pré-fabricados. No dia em que reconhecerem que a culpa é interna e que a correção tem que vir da sua própria coragem, disciplina, subdesenvolvimento, meu caro, é falta de caráter. Um país é subdesenvolvido, não é porque faltam recursos naturais, há muitos países sem recursos naturais que são desenvolvidos; subdesenvolvimento é falta de caráter. E eu acho que o mundo subdesenvolvido revela falta de caráter quando, em vez de se auto-criticar e corrigir os seus defeitos, adota a fórmula fácil: “A culpa é das multinacionais, a culpa é do imperialismo norte-americano, a culpa é do imperialismo inglês, a culpa é das relações de troca injustas”. Esta [é uma] forma mental primária de fugir dos fatos e, por isso, ficar vítima da fatalidade. É isso que causa esse conflito agudo, que, entretanto, é muito menos agudo do que diz o Rufin. Há possibilidades de transferência de um mundo a outro, e a franja asiática é a melhor demonstração disso, e a América Latina começa a demonstrar isso também no Chile, no México, por exemplo. Jorge Escosteguy: Deputado, só [vou] abrir uma janela aqui para um telespectador, uma pergunta mais específica. A Laura Cristaldo, de Ribeirão Preto, gostaria de saber se no liberalismo existe espaço para o imposto único. O Luiz Otávio Leonardi, de Santos, pergunta a sua opinião sobre o imposto único. Ele lembra inclusive que, na semana passada [no dia 17/2/1992], aqui no Roda Viva, o professor Ives Gandra Martins não defendeu ou atacou o imposto único, [mas] disse que não é a melhor solução. Roberto Campos: Eu acho que o imposto único não só é compatível com o liberalismo, como é a ele conducente, porque é um imposto menos intrusivo, menos perturbador. As outras, as figuras clássicas tradicionais, imposto sobre renda, sobre circulação de mercadoria, imposto sobre serviço, contribuições previdenciárias, todas têm um defeito comum: tratam injustamente os segmentos sociais. Só paga imposto no Brasil um terço da população economicamente ativa; um terço ou talvez mais é a economia informal, que não paga impostos; um terço é a atividade governamental, que paga impostos mal e porcamente – o governo é o maior inadimplente em relação a si mesmo. Então, o grande problema fiscal brasileiro não é aumentar alíquotas, não é aumentar progressividade, nada disso, é muito mais primário, é fazer com que toda a população economicamente ativa pague impostos, impostos proporcionais ao seu rendimento, e como proporcionais a seu rendimento se o imposto é único, uma alíquota única? É porque as classes mais abastadas fazem mais transações e compram bens mais sofisticados, por isso, embutido, você tem uma progressividade, sem perturbação de incentivos, ao passo que a progressividade no imposto de renda é uma progressividade que perturba os incentivos, leva gente aí para Miami, Montevidéu, fuga de cérebros, fuga de capitais. Fernando Mitre: Deputado, isso não vai informalizar mais ainda as transações? Quer dizer, as pessoas vão tender a não ir para o banco...? Jorge Escosteguy: O professor Ives Gandra Martins relembrou na semana passada, aqui, que na Argentina, por exemplo, houve essa informalização, chamava-se pacotaço, as pessoas com pacotes de dinheiro. Roberto Campos: Em primeiro lugar, será que o imposto único vai provocar a desintermediação bancária? O banco não é um mero descontador de cheques, o banco é um supermercado de serviços, você obtém no banco vários serviços, turismo, seguro, cheques, transferências. Será que você, por causa de um imposto com alíquota mínima de 1%, vai tirar o seu dinheiro do banco e levá-lo a sua casa, onde o ladrão assalta? Aliás, assaltá-lo-á antes de chegar a casa, assaltá-lo-á lá na esquina – e confiscam 100%. Qual o burro que vai tirar dinheiro do banco, onde pagaria 1%, se usar o dinheiro através de cheques, para ser confiscado pelo ladrão na rua, que lhe rouba 100%? [...]: E confiscado pela inflação também. Roberto Campos: E confiscado também pela inflação; isso não existe, esse medo [de que tirem o dinheiro dos bancos] não existe. Luís Nassif: Deputado, essa visão de que o rico vai pagar mais imposto porque o produto é mais sofisticado, tem mais transação, não bate com a estrutura de custo ou de transações da economia, não é? Roberto Campos: Como assim? Luís Nassif: Em geral, os alimentos básicos são aqueles que têm uma rede, uma cadeia de intermediários muito maior do que o produto sofisticado. Quer dizer, um imposto único teria uma mudança grande na estrutura de preços relativos da economia; essa estrutura não foi estudada ainda. O próprio [economista e político] Marcos Cintra, que é o defensor do imposto único, não estudou ainda o reflexo dos diversos setores. A gente sabe hoje que um supermercado da periferia tem o preço mais alto hoje do que um supermercado do centro... [...]: [interrompendo] Do que a loja de importados. Luís Nassif: ...do que a loja de importados, porque o número de transações numa estrutura de alimentos básicos é muito maior. Então, um imposto como esse penalizaria diretamente, muito mais pesadamente, o sujeito de baixa renda do que o sujeito de consumo supérfluo. Roberto Campos: Isso me é estranho, eu devo ser ignorante. Você acha, então, que uma verdura na feira, um arroz, um feijão atravessam estágios de elaboração maiores do que de um videocassete? Luís Nassif: Muito mais intermediários do que um produto sofisticado. A própria desorganização, a própria falta de estrutura de comercialização desses produtos em periferia... o senhor precisa dar uma checada na periferia e fazer um trajeto ao contrário de um quilo de arroz lá, que o senhor vai ver que tem um monte de gente no caminho lá. Roberto Campos: Bom, tem um monte de gente no caminho, inclusive fiscais que abiscoitam uma parte do imposto. Se você realmente tiver um imposto único... Tão Gomes Pinto: [interrompendo] Uma de suas profecias... Roberto Campos: O grau de elaboração desses produtos é obviamente muito mais rudimentar do que o grau de elaboração de um produto industrial, tanto mais quanto hoje, na indústria moderna, [em que] ninguém mais chega ao produto final em uma só unidade, eles chegam ao produto final comprando de várias unidades. Cada vez mais, o produto manufaturado é descentralizado, comportando operações diferentes na empresa e entre diferentes empresas, é um grau de elaboração muito maior. Luís Nassif: O senhor [...] um imposto cumulativo... Roberto Campos: Eu estaria disposto a rever minha idéia, mas... Tão Gomes Pinto: [interrompendo] Deputado, uma de suas profecias... Luís Nassif: [...] Nenhuma análise eu estou vendo até agora... Roberto Campos: Se for o único imposto, tem que ser o único imposto de propósitos arrecadatórios. Você pode ter impostos de política econômica: exportação ou importação, mas imposto arrecadador tem que ser realmente um único, e aí, você já imaginou? Pense um pouco, Nassif, o que sucede hoje? Você tem três, quatro fiscos, você tem o fisco estadual, o fisco municipal, o fisco federal, todos eles corruptos, todos eles com grande número de achacadores, e você tem o fisco previdenciário. Você tem quantos livros? Você tem dezenas de livros fiscais, se não me engano, 24 livros fiscais, na indústria automobilística. Se você se livra disso tudo, e apenas quando você faz uma transação financeira, automaticamente essa transação financeira recebe uma carga tributária com uma alíquota mínima... É claro que as economia são tão vastas, hoje a competição... [...]: [interrompendo] Deputado, que país hoje tem o imposto único funcionando? Roberto Campos: [no país] é extremamente prejudicada: o cidadão tem que se preocupar com os custos do competidor, com a competição internacional, mas todo sujeito, ao acordar de manhã, tem que se fazer a seguinte pergunta: o que o meu competidor está sonegando? Porque se ele sonegar mais do que eu, estou perdido... Luís Nassif: [interrompendo] O senhor é sempre oito ou oitenta. Não dá para ter uns 28 e meio? Tão Gomes Pinto: Eu vou mudar um pouco o assunto. Uma de suas profecias que está se transformando em uma de suas heresias, perdão, que está se transformando em profecia, isso independente de qualquer ação governamental, e até em formadora de opinião pública, é a questão do controle da natalidade e o risco de uma explosão demográfica. Eu queria saber especificamente do senhor se o senhor acredita, por exemplo, nos dados do último censo, se nós podemos dormir tranqüilos, certos de que o vizinho não está dormindo, por exemplo. Como o senhor viu esse censo e está afastado...? Em 1970, o senhor já levantava... e era uma das pouquíssimas vozes que falavam do assunto, a necessidade de uma política demográfica, de um controle de natalidade para o país, seria um grande plano econômico no Brasil. Fátima Turci: Que é o que senhor aponta como um dos fatores de sucesso do desenvolvimento asiático, não é? Tão Gomes Pinto: Como o senhor vê hoje a questão demográfica no Brasil, em cima inclusive dos resultados do último censo? Roberto Campos: Com um certo alívio, porém ainda sem tranqüilidade, porque, afinal de contas, o fato de não termos feito um armistício com o espermatozóide, muito antes, ainda redundará em grandes massas chegando ao mercado de trabalho. Eu teria propugnado um armistício com o espermatozóide muito antes, igual em 64, quando estive no ministério... As minhas duas grandes frustrações como ministro do Castelo Branco foram as seguintes: primeiro, não ter conseguido implantar naquela ocasião um programa de planejamento familiar. Havia tríplice objeção: a Igreja [Católica], o clero e os próprios empresários que acreditavam que grandes massas significam mercado e mão-de-obra barata. Ora... Dácio Nitrini: O Exército, as Forças Armadas... Roberto Campos: As Forças Armadas também. Naquela época, achavam que as massas permitiriam ocupação na Amazônia e assegurariam uma automática superioridade sobre a Argentina. Hoje, descobriram que a guerra é guerra de botões, o que conta agora é o raio laser, o míssil, e não a massa humana. A massa humana hoje é um abacaxi em matéria militar. Mas, naquele tempo, havia essa tríplice força, e os próprios empresários confundiam Paquistão com Suíça. O Paquistão tem 80 milhões de habitantes, a Suíça tem 6 milhões, e a Suíça é um mercado maior do que o Paquistão, porque mercado não é simplesmente espermatozóide enérgico, mercado é produtividade. Tão Gomes Pinto: Como o senhor vê o censo? O senhor acredita nesses números? Roberto Campos: Eu só queria dizer que as minhas duas frustrações no governo Castelo Branco foram não ter implantado um programa de planejamento familiar e não ter conseguido sequer ver discutida seriamente a abolição do monopólio da Petrobras – não a abolição da Petrobras, a abolição do monopólio da Petrobras. Luiz Gutemberg: O senhor não conseguiu fazer também o Ministério da Defesa. Roberto Campos: É, eu também propugnei àquela época o Ministério da Defesa. Dácio Nitrini: E por falar em militares, deputado, o senhor não concorda com essa idéia, que vem dos Estados Unidos, de diminuir as Forças Armadas na América Latina, no Terceiro Mundo, para inclusive economizar dinheiro a partir do desaparecimento da ameaça comunista? Roberto Campos: Eu acho que sim, realmente as ameaças [...]. O Brasil sofre de uma alarmante carência de inimigos, tem que pesquisar inimigos, é uma alarmante carência, de modo que as Forças Armadas, apesar de modestas no contexto latino-americano, estão superdimensionadas. Eu acho que se a gente quer investir no social, está aí, uma boa bandeira é... Jorge Escosteguy: [interrompendo] O senhor proporia isso durante o governo Castelo Branco, deputado? Roberto Campos: ...você reduzir o aparato militar, ou então devotar o aparato militar a funções sociais: treinamento, educação, combate às drogas. Temos que dar uma nova função aos militares, que hoje sofrem de uma crise existencial, porque o Brasil tem uma alarmante carência de inimigos. Jorge Escosteguy: O senhor discutiria essas questões no governo Castelo Branco? Roberto Campos: Ah, claro. Jorge Escosteguy: Ou chegou-se a discutir? Roberto Campos: Chegou-se a discutir, sim. O que eu propus ao Castelo Branco... nós temos três alternativas em um país pobre – nós não podemos ter um aparelho militar faustoso –, há três possibilidade. Primeiro: fazer com que o orçamento militar fique constante em termos nominais, e por isso sendo reduzido na proporção da inflação; segundo: fazer com que ele fique estacionário em termos reais, quer dizer, só corrigi-lo estritamente em função da inflação, nada a investir mais; terceiro: fazê-lo crescer na proporção do crescimento do produto, de modo que a fatia militar ficasse constante. O Castelo [disse]: “Bom, fazer crescê-lo em termos reais, eu próprio reconheço que seria uma atitude antidesenvolvimentista; fixá-lo em termos nominais e deixar que a inflação aniquile o orçamento militar, também não posso; então, vamos para a solução intermediária, que é estritamente manter o nível real do dispêndio militar sem aumentá-lo”. Fernando Mitre: Falando agora de um inimigo real nosso, que é a inflação, na sexta-feira eu ouvi um debate na Rádio Eldorado, do qual o senhor participou. Eram quatro ex-ministros e um ex-secretário-geral do ministério. O único realmente radical contra qualquer tratamento artificial de choque para debelar a inflação era o senhor; os outros, até mesmo o ex-ministro [da Fazenda entre 1987-1990] Maílson [da Nóbrega], admitiam uma certa âncora num certo momento. Roberto Campos: É a terceira via, meu caro. Fernando Mitre: Pois é, essa é a minha questão. Roberto Campos: Socialdemocratas. Fernando Mitre: É aí que está. O senhor não teme – quer dizer, digo “teme” a partir do seu próprio ponto de vista –, o senhor não teme que nos próximos três meses, digamos, quatro meses, a inflação, continuando com dois dígitos, 22%, 23%, 19%, 25% – que aí é tudo a mesma coisa –, a idéia de um choque não acabe prevalecendo? E eu perguntaria também ao senhor: a perdurar essa situação por mais quatro, cinco, seis meses, como fica a economia com esses dois dígitos? Porque o senhor defende uma vitória gradual contra a inflação. Será que há tempo para isso? Roberto Campos: Eu não só temo, eu tremo de medo. Se a inflação persistir nesse nível aí de 25%, 23%, 25% [temo] que haja gente advogando o choque, e ao advogar um choque, eles retardam a desinflação que já podia ter sido obtida. Por que a inflação brasileira é tão renitente? Por que o empresário brasileiro parece se comportar anormalmente? Mesmo em uma recessão, ele mantém os preços e, às vezes, tenta aumentá-los. É por causa da experiência desfavorável desses sucessivos congelamentos anteriores. Quando você engessa uma perna e depois tira o gesso, você não espera que o sujeito fique um atleta. A economia brasileira é uma economia que por um longo tempo viveu engessada, perdeu qualquer capacidade atlética. A reação da oferta brasileira é anormalmente lenta quando você libera o mercado. O que é o mercado? Os preços do mercado são sinais: [quando] sobe um preço, isso é uma sinalização para que o produtor produza mais. No mundo inteiro isso ocorre; no Brasil, o que se faz? O que faz o empresário [brasileiro]? [Ele diz] “Bom, o preço subiu; em tese, eu deveria investir, comprar uma máquina, contratar mais gente, mas eu não sei se, exatamente porque esse preço subiu, o governo não entra em pânico amanhã e não vai amarrar o preço. Então, para mim, o melhor é manter o preço alto, se possível até aumentá-lo, até que eu me convença de que não vai haver mais choque”. E cada vez que vão ao rádio [Luiz Carlos] Bresser Pereira [ministro da Fazenda em 1987], Maílson da Nóbrega, sei lá o quê, dizendo que é possível que, se a inflação continuar assim, vamos ter um novo choque, isso mesmo faz com que a inflação continue assim. [...]: [interrompendo] Pelo que o senhor conhece do presidente da República... Roberto Campos: Porque a oferta não reage. Agora, [a atitude dos empresários] é uma reação, digamos, perversa, mas não é uma reação absurda. Se não tivesse havido precedentes de congelamento, nós teríamos um empresário comportando-se normalmente. Quando se combate a inflação, há uma seqüência dolorosa, como quando se instaura um processo de inflação há uma seqüência gostosa. Quando se instaura um processo de inflação, a coisa é gostosa: primeiro sobe a produção, depois sobe o emprego, ótimo, só no terceiro estágio é que vem o desastre: sobem os preços. Então, quando você começa um processo de desinflação, a seqüência é dolorosa: primeiro cai a produção – isso já ocorreu –, segundo cai o emprego – é o que está ocorrendo agora –, em terceiro lugar é que caem os preços. Mas não cairão os preços se continuar gente como o Maílson... Jorge Escosteguy: Deputado, por favor. Roberto Campos: ...Bresser Pereira, quem mais? Sei lá mais quem, a predizer que, se a inflação ficar três meses nesse patamar, todo mundo entra em pânico e vem um novo choque, e isso é a pior coisa que pode acontecer. Jorge Escosteguy: Deputado, o nosso tempo está se esgotando. O Setti estava fazendo uma pergunta, eu tenho uma última e nós encerramos o programa. Ricardo Setti: Pelo que o senhor conhece do presidente da República, o presidente Fernando Collor, esse canto de sereia é capaz de seduzi-lo novamente? Quer dizer, o choque, ele tem reiterado que não, mas qual é o seufeeling a esse respeito, se a coisa não evoluir com rapidez...? Roberto Campos: Eu não sou perito em Collor, eu acho que ele não é perito em si mesmo. Eu predizia que ele marchava para uma solução liberal à luz de seu discurso de posse, [mas] ele marchou para uma solução inteiramente intervencionista. Mas eu espero que ele agora esteja convencido de que as receitas heterodoxas não funcionam, não só pela amarga experiência brasileira, como porque há um exemplo de contaminação. A América Latina toda já tentou soluções heterodoxas, arrependeu-se antes do Brasil e já está tendo êxito. Jorge Escosteguy: O senhor continua achando que o Brasil vai ter um futuro medíocre? Porque, mesmo quando o senhor disse que a economia estava melhorando, [o senhor achava que] o futuro do Brasil seria medíocre. Roberto Campos: Medíocre em termos do que eu esperava quando [era] um tecnocrata jovem. Eu esperava que o Brasil fosse uma grande potência e membro do clube dos ricos no ano 2000, [mas] não será membro do clube dos ricos, não será uma grande potência no ano 2000. Porque nós erramos bastante ao longo do tempo, mas erramos lascivamente a partir de 1984, com o Plano Cruzado, moratória [decretada em 1987], nova constituição, informática, confisco e congelamento. Portanto, nosso destino é medíocre, comparado ao meu ideal de jovem, e vejo que chegarei à velhice – já estou no crepúsculo biológico – e o país continuará um país pobre... Jorge Escosteguy: Para encerrar... Roberto Campos: ...inutilmente pobre, insolentemente pobre. Jorge Escosteguy: ...o senhor recebeu aqui várias perguntas, foi pressionado, foi discutido, foi polemizado com os jornalistas, os nossos convidados, então a telespectadora Neide Cunha Cardoso, de São José dos Campos, telefonou e faz a seguinte pergunta: “Por que é tão difícil encontrar liberais entre os profissionais de comunicação?” Roberto Campos: Isso é curioso. Os liberais de comunicação têm uma propensão esquerdista que eu jamais consegui explicar. Logicamente não há razão para isso, porque o socialismo de esquerda geralmente mata a liberdade de opinião. Não há jornalistas em Cuba, não há comunicação em Cuba. Por que então o jornalista tem essa propensão, esse viés esquerdista? Eu só encontro um explicação: é que eles acham que são mais inteligentes do que os patrões, os patrões são burros e eles são mais inteligentes e mais pobres, e acham isso uma tremenda injustiça a ser corrigida então por uma aventura socialista... Jorge Escosteguy: [interrompendo] Nós agradecemos então à presença esta noite no Roda Viva do ex-ministro, ex-embaixador, ex-senador e atual deputado federal do PDS pelo Rio de Janeiro, Roberto Campos. Roberto Campos: [...] os patrões são burros às vezes. Jorge Escosteguy: Agradecemos também aos companheiros jornalistas que nos ajudaram na entrevista de hoje e aos telespectadores, lembrando que as perguntas que não puderam ser feitas ao vivo serão entregues ao deputado após o programa. O Roda Viva fica por aqui e volta na próxima segunda-feira, às nove horas da noite. Até lá e uma boa noite a todos. Marcadores: brasil, conservador, debate, economia, história, impostos, liberalismo, liberdade, roberto campos postado por Fernando às 10:57 PM Tweet |
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