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quinta-feira, agosto 09, 2007

Jornalismo independente no Iraque - I

Michael J. Totten, jornalista independente
Michael J. Totten,
jornalista independente.
Michael J. Totten é um jornalista independente que foi ao Iraque e tem acompanhado várias unidades do exército e dos fuzileiros americanos. Ele paga suas despesas do próprio bolso e com a ajuda dos leitores. Totten conta as realidades da guerra no Iraque que a maioria da grande mídia não ousa retratar, tanto por policiamento ideológico como por interesse ideológico próprio.

Abaixo está uma entrevista dele com um intérprete iraquiano (apelidado de Hammer), que trabalha para as tropas americanas da 82a divisão paraquedista em Bagdá. Intérpretes como ele e suas famílias são ameaçados de morte pelas milícias do Mahdi e terroristas da Al Qaeda, que os acusam de colaboração com o inimigo.

MJT: Por que você trabalha para os americanos?

Hammer: Quando eu tinha 14 anos de idade eu adorava carros e filmes americanos. Os Estados Unidos eram o meu sonho. Era um sonho que se tornou realidade quando o exército dos Estados Unidos veio ao Iraque. Foi um pesadelo em 1991 quando eles foram embora.

Talvez alguém pense que estou mentindo, mas estou apenas dizendo isso. Se meus amigos dissessem algo como armas russas são as melhores ou carros alemães são os melhores, eu diria, não, os americanos é que são. Todo mundo que me conhece sabe disso a meu respeito.

Se qualquer um disser que os árabes vão vencer os Estados Unidos, ele está errado. Os líderes não querem ser iguais ao Saddam. Mas se os Estados Unidos deixarem o Iraque vai ser um grande fracasso, especialmente para mim. Eu não quero ver isso acontecer. Nunca.

MJT: Você gosta de trabalhar com os americanos?

Hammer: Muito. Especialmente quando eu vou para fora da cerca. Eu me sinto um estrangeiro aqui. Quando eu volto para cá, estou em casa. Eu não tenho amigos do lado de fora. Fora, só a minha família. Quando eu vou para casa, eu fico em minha residência. Eu não vou à rua.

MJT: Por que você não tem amigos?

Hammer: Eu não sinto que pertenço a essa sociedade. Eles pensam uns como os outros, mas não pensam como eu. Eu não posso continuar com eles. Eu gosto de saber algo sobre tudo, de aprender o máximo que posso. No Iraque, se você sabe muito, eles vão rir de você e chamá-lo de mentiroso.

Quando eu tinha 20 anos, eu gostava de música americana. Eles não gostam. (risos) Eu não gosto do Saddam. Eu odeio sua família.

MJT: Por que você tem que cobrir o seu rosto?

Hammer: Para proteger minha família. Minha família vive no Iraque. Se eles forem para os Estados Unidos, eu não terei que fazer isso. Mas eu não quero que ninguém descubra quem eu sou, e me siga para ver onde eu moro e matar minha esposa e meu filho.


MJT: Como se sentiu quando os Estados Unidos invadiram o Iraque?

Hammer: Alegre. Era como eu estivesse vivendo numa prisão e alguém me libertasse. Eu não quero o Saddam me governando. Nunca. Eu estava só esperando e esperando por aquele momento.

MJT: O que você acha da possibilidade dos americanos irem embora?

Hammer: É como um sonho ruim. Sonho muito ruim. Um pesadelo. Pior que isso. É como me mandar de volta para a prisão. Como se me libertassem durante 4 anos e me mandassem de volta para a prisão ou me dessem sentença de morte.

MJT: Conte como era viver sob o Saddam Hussein.

Hammer: Era uma vida maluca, como se sentir seguro dentro de uma prisão. Se eles mandassem você para uma prisão de verdade, nada mudaria. Eles prendiam todo mundo, literalmente todo mundo, sem nenhum motivo e mandavam para a prisão por 2 semanas só para mostrarem como era lá dentro.

Eu fui lá 3 vezes. A primeira foi porque eu trabalhava para uma empresa de filmagem. Eles nos mandaram todos para a prisão. Não tinha nada a ver comigo.

Eu recebi uma sentença de 3 anos. Minha família tinha dinheiro, então eu paguei 50 mil dólares ao juiz. Eu entreguei diretamente ao juiz, mais 4 pneus novos para o carro dele e uma antena de satélite. Ele me deu uma sentença de 3 meses em vez de 3 anos. Ele rabiscou "3 anos" na minha sentença e escreveu em cima "3 meses" à mão mesmo.

Eles me mandaram para Abu Ghraib. Eu vi muitas coisas. Se você quer que eu conte como foi lá, eu precisaria de um jornal inteiro.

MJT: Conte um pouco sobre Abu Ghraib.

Hammer: No ônibus para a prisão, eu não fui algemado. Eu perguntei o porquê. O guarda disse "Olhe atrás de você". O primeiro cara atrás de mim tinha uma sentença de 600 anos. O segundo pegou 6 sentenças de enforcamento. O terceiro foi sentenciado a ser jogado de uma janela de segundo andar com os olhos vendados. Duas vezes. Um outro cara estuprou a própria mãe e as irmãs 3 vezes. Ele havia sido liberado no aniversário do Saddam. Um outro cara teve sua mão amputada.

E tinha esse último cara, que foi ao mercado com sua esposa e ficou no carro esperando enquanto ele comprava alguma coisa. Quando ele voltou ao carro, sua esposa estava gritando. Dois caras estavam no carro com ela: um segurava seus braços e o outro a estava estuprando. Ele pegou sua AK-47 e os perseguiu. Quando eles entraram num outro carro deles para fugir dele, ele atirou neles e o carro explodiu. Eles eram da mukhabarat (polícia secreta do Saddam). Ele pegou sentença de morte. Em seu segundo dia em Abu Ghraib eles o mataram e libertaram pela quarta vez o cara que estuprou a própria mãe e irmãs.

Dois guardas que gerenciavam Abu Ghraib vendiam drogas halucinógenas para os prisioneiros. Eles me forçaram a tomar essas drogas. Lá dentro, você precisa de proteção. Você encontra alguém e dá drogas e cigarros em troca. Você paga os guardas para apenas lhe dar um soco na cara e mudá-lo de cela em vez de matá-lo. Eu fui liberado 26 dias depois de chegar, no aniversário do Saddam, antes de completar os 3 meses. Eu não consigo viver mais com esse pesadelo.

MJT: Como ficaram as coisas para o iraquiano comum?

Hammer: Se você der eletricidade para o iraquiano comum agora será o bastante. Essa é a coisa mais importante. Dê energia elétrica que funcione 7 dias seguidos e não haverá mais luta. Depois que os Estados Unidos vieram e o Saddam caiu, eles ganhavam 3 dólares por mês. Agora ganham entre 100 e 700 dólares por mês.

Dar eletricidade reduziria a violência. Se você não acredita, pergunte-se o que aconteceria com essa base do Exército se a energia fosse cortada para sempre e os soldados tivessem que passar o resto de sua vida no Iraque. Você pensa que esses soldados ainda se comportariam de maneira normal?

Os iraquianos estão sendo pagos para armar bombas improvisadas. Eles o fazem para poder comprar gasolina pro seu gerador e esfriar suas casas ou deixar o país. Suas mãos fazem isso, mas não suas mentes.

A TV é uma coisa muito interessante para os iraquianos. Eles aprendem tudo da TV. Agora mesmo eles só têm 1 hora de eletricidade todos os dias. E você sabe o que eles assistem? Al Jazeera. O Al Jazeera os impele a lutar. Se eles tivessem TV o dia inteiro, eles assistiriam muitas coisas. Suas mentes seriam influenciadas por algo além da propaganda terrorista.

Agora mesmo eles não têm eletricidade. Eles não têm sonhos. Nada. E o Saddam bagunçou suas mentes. Por mais de 30 anos ele envenenou suas mentes. Vocês não podem entender o Iraque porque vocês não conseguem entrar em suas mentes. Quando você entra em suas mentes - são mentes loucas.

MJT: Por que o Iraque está tão bagunçado? É culpa dos americanos?

Hammer, intérprete iraquiano
Hammer, intérprete iraquiano
ameaçado de morte pelas
milícias e pelos terroristas.
Hammer: Não. Você não pode culpar os americanos. Os iraquianos são o culpado número um por essa bagunça. Eles são gananciosos e fazem tudo por dinheiro. Eles são como pessoas que ficaram na prisão durante 30 anos, e foram liberadas subitamente, receberam dinheiro, e então tiveram seu dinheiro roubado. O que eles poderiam fazer? Eles matam por dinheiro. Eles são egoístas.

Eles se tornaram egoístas a partir do Saddam. O povo iraquiano costumava ser diferente. Eu sou a mesma pessoa que sempre fui, mas a maioria do povo iraquiano está diferente agora. Eles sentem que ninguém vai ajudá-los então eles se ajudam a si próprios.

MJT: Há solução para o problema nesse país?

Hammer: Joguem uma bomba atômica no Iraque.

MJT: Fale sério.

Hammer: Eu estou sério. Se vocês selecionarem de todos os iraquianos, 5 milhões deles serão de boas pessoas. Livre-os e matem todo o resto. Síria e Irã se renderiam. [risos]

Agora mesmo eles vêem 100 cadáveres por dia nas ruas. Não seria bom matar as pessoas ruins que fazem isso?

Ok, se vocês querem uma solução séria, tentem isso:

Cobre uma multa das famílias dos insurgentes. Multe eles em vastas quantias de dinheiro se alguém de suas famílias for capturado ou morto e identificado como insurgente. Faça-os pagar. Vocês podem colocar isso em lei. Dentro de uma semana, eles já não fariam mais nada porque eles querem dinheiro. Suas famílias os fariam parar.

As milícias pagam 100 dólares para armar uma bomba improvisada. Multe-os em milhares de dólares se eles forem pegos e suas famílias os farão parar. Ponha uma lei dessas sobre eles. Vão em frente! Tentem!

MJT: O que acontecerá se os americanos deixarem o país no ano que vem?

Hammer: Rios de sangue por toda a parte. Síria e Irã vão tomar pedaços do Iraque. Os governos anti-americanos vão rir. Vocês serão a piada do país que ninguém levará à sério.

Eu vou me suicidar se isso acontecer. Estou completamente sério. As milícias vão me caçar e matar a mim e minha família. Eu vou antes deles e me mato.

Eu trabalhei para o governo americano por 4 anos. Todos que trabalham como intérpretes por 4 anos e conseguem uma assinatura de um general ou senador ganha um Green Card. Minha esperança é conseguir um de alguma maneira. Eu faria qualquer coisa para isso.

Estou fazendo isso pelo meu filho. Tudo pelo meu filho. Eu não quero meu filho vivendo aqui, se envolvendo com religião e milícias e Al Qaeda. Eu quero que meu filho seja livre, tenha uma namorada, se case e seja um bom cidadão.

MJT: Quão frequentemente você o vê?

Hammer: 2 dias por mês. Ás vezes 2 dias a cada 2 meses. Eu deixo a base sem meu uniforme e me visto como eles, com camisa e jeans sujos, de modo que eles não saibam que eu trabalho aqui. Então eu dirijo para minha casa e abraço minha esposa e meu filho.

MJT: O que ele quer ser quando crescer?

Hammer: Ele quer ser um soldado americano. Ele tem sua cadeira em seu quarto com a bandeira americana nela. Ele tem uma M-4 de brinquedo e tem um pequeno uniforme que eu ganhei no P/X.

Quando ele vê o Saddam, ele amaldiçoa o Saddam. Eu nunca disse para ele fazer isso. Ele faz por si próprio. Quando ele segura sua arma de brinquedo, ele diz que vai matar os insurgentes. Ele quer ir à Disneylândia. Seu herói é o Arnold Schwartznegger - não o Terminator, mas o Arnold Schwartznegger. Ele tem todos os seus filmes.

O meu herói é o Bill Gates. [risos]

MJT: Você já foi ameaçado de morte?

Hammer: 7 vezes. Uma vez eu tive que vender o meu carro por causa disso. Algumas ameaças vêm das milícias Shia, outras da Al Qaeda. Eu tive duas bombas improvisadas na frente do meu carro e atiraram em mim com uma lançador de granadas quando eu estava trabalhando em Kirkuk para Bechtel em uma usina de petróleo.

MJT: Por que há paz no Curdistão mas não nessa parte do Iraque?

Hammer: Os curdos se livraram do Saddam antes. Eles lutaram contra o Saddam igual aos Shia lutaram contra o Saddam, mas os curdos venceram sua guerra e os Shia perderam. Em 1991, os americanos se tornaram heróis para os curdos, mas desapontaram os Shia e os deixaram para o Saddam. Eles não foram confiáveis. Então na outra vez, em 2003, alguns Shia pensaram em pedir ajuda ao Irã. Eles sabem que o Irã não vai embora. O Irã é mais confiável como aliado do que os americanos.

Os Shia nunca se esquecerão de terem sido abandonados pelos americanos. Eles falam disso o tempo todo ainda hoje. Eles sabem que os Estados Unidos vão deixar o Iraque e que eles vão enfrentar o Al Qaeda sozinhos.

O povo Shia é muito simples, muito fácil. São fáceis de controlar. Não têm que fazer muitas coisas. Só eletricidade, direitos, uma vida decente, uma boa oportunidade de ter um emprego.

MJT: Seria possível mudar os Shia apoiarem os americanos em vez do Moqtada al Sadr?

Hammer: Sim, é fácil. Basta dar a eles essas coisas. Vocês iriam afastar todas as causas desse problema. 16% dos Shia apóiam Moqtada al Sadr. Eles não têm educação. Eles não sabem o que fazer. Eu sei como esse povo pensa. Dê a eles um bom motivo para se unir ao nosso lado e eles o farão.

MJT: Qual é a pior coisa que você já viu nesse país?

Hammer: 60 caras do Al Qaeda sequestraram a irmã de um intérprete. Ela tinha um bebê de 6 meses. Eles a estupraram, todos os 60 caras. Então eles a cortaram em pedaços e jogaram no rio. Eles largaram seu bebê de 6 meses na poça de sangue da mãe.

Nós o encontramos numa fazenda grande ao sul de Bagdá. Tudo o que restava eram suas perninhas e seus sapatos. Os cães o devoraram.

Eu não quero isso para minha família.

Essa gente são como animais que vieram de outro planeta.

MJT: O que foi a coisa mais bonita que você já viu nesse país?

Hammer: Em toda a minha vida? Quando eu tinha 7 anos de idade, eu ouvia o barulho de pombos selvagens de manhã. Então algo aconteceu e eu nunca mais os ouvi.

Então, na manhã da invasão dos Estados Unidos ao Iraque, eu ouvi os pombos de novo.

De verdade, eu não estou brincando. Eu vejo que você não acredita em mim, mas eu não estou fingindo.

MJT: Qual a coisa mais importante sobre o Iraque que os americanos não entendem?

Hammer: Não abram as portas da prisão de uma vez depois de 25 anos. Deixem as pessoas sair passo-a-passo. Os iraquianos precisam de reabilitação. Dê a eles liberdade direta e instantânea e eles ficarão malucos. Isso foi o que os Estados Unidos fizeram.

MJT: Os americanos vão vencer essa guerra?

Hammer: Eu espero que isso aconteça. Mas não vai acontecer se os americanos continuarem a fazer o que estão fazendo, a não ser que tenham muito mais paciência.

MJT: Alguma coisa que você queira dizer que eu não tenha lhe perguntado?

Hammer: Por causa de alguns poucos maus iraquianos que trabalharam de intérprete para os Estados Unidos, ninguém confia em nós. Mas se me dessem uma arma, eu lutaria mais do que os americanos. Vocês podem ir para casa. Eu não posso. Eu sou obrigado a viver nesse país. Se os americanos não derem um Green Card para mim e minha família, eu vou ter que ficar nessa prisão.

No campo Taji, a primeira divisão de cavalaria pensa que os intérpretes são o inimigo. Eles decidiram que os intérpretes que não são cidadãos americanos têm que tirar a bandeira americana de seus uniformes antes de poderem entrar no refeitório.

Eu chorei aquele dia.

Eu não podia, mas eu reclamei. Eu disse que estava tudo bem eu morrer lá fora vestindo a bandeira americana, mas que não podia comer com americanos vestindo a bandeira americana?

Aquele foi o pior dia da minha vida com o exército americano.

Eu digo a você o que eu disse à minha família. Se eu morrer aqui, me enrole na bandeira americana quando me enterrar. Eu não quero ser enterrado com a bandeira do Iraque.

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postado por Fernando às      

3 Comentários:

Blogger Kosher-X disse...

Como carros podem explodir apenas por serem alvejados por uma AK-47?

A não ser que houvessem explosivos dentro do carro, não daria pra acreditar. Porém, como eram da polícia do Baath, é bem provável que isso seja mesmo verdade.
Acredito nos 2 homens, o entrevistador e o entrevistado.

Mas como você conseguiu pegar a entrevista lá? Aqui o site aparece bloqueado. Penso até em usar um proxy pra tentar ler o original.

11 de agosto de 2007 às 15:23:00 GMT-5  
Blogger Fernando disse...

Aqui para mim o link funciona

http://www.michaeltotten.com/archives/001502.html

O cara pode ter dado sorte e acertado o tanque de gasolina. Ainda mais se for uma AK47 automática.

11 de agosto de 2007 às 15:57:00 GMT-5  
Blogger Kosher-X disse...

Nem com uma AK47 é possível fazer um tanque de combustível incendiar, o calor das balas é rapidamente dissipado durante o trajeto, não sendo suficiente pra isso.

Essa história é coisa de filme de Chuck Norris.

15 de agosto de 2007 às 13:29:00 GMT-5  

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